Vol. XV: Vitrais 97 - jan 2022 

A Revista da ABRT Associação Brasileira Ramain-Thiers

ISSN 2317-0719

VITRAIS
Vol. XV: Vitrais 97 - jan 2022

 

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Literatura

 

Tristeza

por: Rubem Alves

Pedagogo.  Filósofo. Psicanalista. Teólogo. Autor de Livros. Acadêmico. Ensaísta. Cronista. Contador de Estórias. Poeta.

 

Você, que diz que, se pudesse, trocaria seu nome por “Melancolia”, você me pergunta sobre as razões da tristeza. Me pergunta mais: sobre as razões por que há pessoas que se emocionam com coisas pequenas – as outras nem ligam e até se riem da sua sensibilidade -, o que lhe dá uma tristeza ainda maior, a tristeza da solidão.

Olhe, há tristezas de dois tipos. Primeiro, são as tristezas diurnas, quando o mudo está iluminado pelo sol. Tristezas para as quais há razões. Fico triste porque o meu cãozinho morreu, porque o meu filho está doente, porque as crianças esfarrapadas e magras me pedem uma moedinha no semáforo, porque o amor de desfez. Para essas   tristezas há razões. Quem não sente essas tristezas está doente e precisaria de terapia para aprender a ficar triste. Tristeza é parte da vida. Ela é a reação natural da alma diante da perda de algo que se ama. O mundo está luminoso e claro – mas há algo, uma perda, que faz tudo ficar triste.

Segundo, são as tristezas de crepúsculo. O crepúsculo é triste naturalmente. Não, não há perda nenhuma. Tudo está certo. Não há razões para ficar triste. A despeito disso, no crepúsculo a gente fica. Talvez porque o crepúsculo seja uma metáfora do que é a vida: a beleza efêmera das cores que vão mergulhando no escuro da noite.

A alma é um cenário. Por vezes, ela é como uma manhã brilhante e fresca, inundada de alegria. Por vezes ela é como um pôr do sol, triste e nostálgico. A vida é assim. Mas se é manhã brilhante o tempo todo, alguma coisa está errada. Tristeza é preciso. A tristeza trona as pessoas mais ternas. Se é crepúsculo o tempo todo, alguma coisa não está bem. Alegria é preciso. Alegria é a chama que dá vontade de viver.

Eu acho que essa tristeza crepuscular é mais que uma perturbação psicológica. Acho que ela tem a ver com a sensibilidade perante a dimensão trágica da vida. A vida é trágica porque tudo o que a gente ama vai mergulhando no rio do tempo.

Tudo flui; nada permanece.” * (Citação de Heráclito.).  A vida é feita de perdas. Fiquei comovido dias atrás, vendo fotos dos meus filhos quando eram meninos. Aquele tempo passou. Aquela alegria mergulhou no rio do tempo. Não volta mais. Há, assim, um trágico que não está ligado s “eventos trágicos”. Está ligado à realidade da própria vida. Tudo que amamos, tudo o que é belo, passa.

Mas é precisamente desse sentimento que surge uma coisa maravilhosa, motivo de riqueza espiritual: a arte. Os artistas são feiticeiros que tentam paralisar o crepúsculo. Eternizar o efêmero. Todas as vezes que ouço aquela música ou leio aquele poema, o passado ressuscita. A beleza da arte nasce da tristeza. Se não houvesse tristeza,  não haveria arte. Diz Jobim: “Assim como o poeta só é grande se sofrer...” Certo. Sem tristeza não haveria Cecília, Adélia, Pessoa, Chico, Beethoven, Chopin. A obra de arte ou é para exprimir ou para curar o sofrimento.

Mas há um limite. É preciso que a tristeza seja temperada com alegria. Tristeza só, é muito perigoso. As pessoas começam a desejar a morrer. Essa é a razão por que os deprimidos querem dormir o tempo todo. O dormir é uma morte reversível.

Quandoa gente está com dor de cabeça,  toma aspirina sem vergonha alguma. Quando a gente está com dor de alma, tristeza, algum remédio é preciso – para não querer morrer, para voltar a ter alegria.

Uma ajuda para a tristeza é conversar. Para isso é preciso ter alguém que escute,  que entenda a tristeza. Muitas pessoas procuram terapia para isso: não porque sejam doentes mentais, mas porque precisam compartilhar sua tristeza com alguém que conheça a luz crepuscular.

 

REFERÊNCIAS

ALVES, Rubem. Se eu pudesse viver minha vida novamente. Org. Raissa Castro Oliveira. 21ª ed. Campinas, SP: Verus Editora, 2010. P. 89-91.