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									Literatura 
									  
									
									
									
									Tristeza 
									
									
									
									por: Rubem Alves 
									
									
									Pedagogo.  
									Filósofo. Psicanalista. Teólogo. Autor de 
									Livros. Acadêmico. Ensaísta. Cronista. 
									Contador de Estórias. 
									
									
									Poeta. 
									
									  
									
									Você, que diz que, se pudesse, trocaria seu 
									nome por “Melancolia”, você me pergunta 
									sobre as razões da tristeza. Me pergunta 
									mais: sobre as razões por que há pessoas que 
									se emocionam com coisas pequenas – as outras 
									nem ligam e até se riem da sua sensibilidade 
									-, o que lhe dá uma tristeza ainda maior, a 
									tristeza da solidão. 
									
									Olhe, há tristezas de dois tipos. Primeiro, 
									são as tristezas diurnas, quando o mudo está 
									iluminado pelo sol. Tristezas para as quais 
									há razões. Fico triste porque o meu cãozinho 
									morreu, porque o meu filho está doente, 
									porque as crianças esfarrapadas e magras me 
									pedem uma moedinha no semáforo, porque o 
									amor de desfez. Para essas   tristezas há 
									razões. Quem não sente essas tristezas está 
									doente e precisaria de terapia para aprender 
									a ficar triste. Tristeza é parte da vida. 
									Ela é a reação natural da alma diante da 
									perda de algo que se ama. O mundo está 
									luminoso e claro – mas há algo, uma perda, 
									que faz tudo ficar triste. 
									
									Segundo, são as tristezas de crepúsculo. O 
									crepúsculo é triste naturalmente. Não, não 
									há perda nenhuma. Tudo está certo. Não há 
									razões para ficar triste. A despeito disso, 
									no crepúsculo a gente fica. Talvez porque o 
									crepúsculo seja uma metáfora do que é a vida: 
									a beleza efêmera das cores que vão 
									mergulhando no escuro da noite. 
									
									A alma é um cenário. Por vezes, ela é como 
									uma manhã brilhante e fresca, inundada de 
									alegria. Por vezes ela é como um pôr do sol, 
									triste e nostálgico. A vida é assim. Mas se 
									é manhã brilhante o tempo todo, alguma coisa 
									está errada. Tristeza é preciso. A tristeza 
									trona as pessoas mais ternas. Se é 
									crepúsculo o tempo todo, alguma coisa não 
									está bem. Alegria é preciso. Alegria é a 
									chama que dá vontade de viver. 
									
									Eu acho que essa tristeza crepuscular é mais 
									que uma perturbação psicológica. Acho que 
									ela tem a ver com a sensibilidade perante a 
									dimensão trágica da vida. A vida é trágica 
									porque tudo o que a gente ama vai 
									mergulhando no rio do tempo. 
									
									“Tudo flui; nada permanece.” * (Citação 
									de Heráclito.).  A vida é feita de perdas. 
									Fiquei comovido dias atrás, vendo fotos dos 
									meus filhos quando eram meninos. Aquele 
									tempo passou. Aquela alegria mergulhou no 
									rio do tempo. Não volta mais. Há, assim, um 
									trágico que não está ligado s “eventos 
									trágicos”. Está ligado à realidade da 
									própria vida. Tudo que amamos, tudo o que é 
									belo, passa. 
									
									Mas é precisamente desse sentimento que 
									surge uma coisa maravilhosa, motivo de 
									riqueza espiritual: a arte. Os artistas são 
									feiticeiros que tentam paralisar o 
									crepúsculo. Eternizar o efêmero. Todas as 
									vezes que ouço aquela música ou leio aquele 
									poema, o passado ressuscita. A beleza da 
									arte nasce da tristeza. Se não houvesse 
									tristeza,  não haveria arte. Diz Jobim: 
									“Assim como o poeta só é grande se sofrer...” 
									Certo. Sem tristeza não haveria Cecília, 
									Adélia, Pessoa, Chico, Beethoven, Chopin. A 
									obra de arte ou é para exprimir ou para 
									curar o sofrimento. 
									
									Mas há um limite. É preciso que a tristeza 
									seja temperada com alegria. Tristeza só, é 
									muito perigoso. As pessoas começam a desejar 
									a morrer. Essa é a razão por que os 
									deprimidos querem dormir o tempo todo. O 
									dormir é uma morte reversível. 
									
									Quandoa gente está com dor de cabeça,  toma 
									aspirina sem vergonha alguma. Quando a gente 
									está com dor de alma, tristeza, algum 
									remédio é preciso – para não querer morrer, 
									para voltar a ter alegria. 
									
									Uma ajuda para a tristeza é conversar. Para 
									isso é preciso ter alguém que escute,  que 
									entenda a tristeza. Muitas pessoas procuram 
									terapia para isso: não porque sejam doentes 
									mentais, mas porque precisam compartilhar 
									sua tristeza com alguém que conheça a luz 
									crepuscular. 
									
									  
									
									
									REFERÊNCIAS 
									
									
									ALVES, Rubem. Se eu pudesse viver 
									minha vida novamente. Org. Raissa Castro 
									Oliveira. 21ª ed. Campinas, SP: Verus 
									Editora, 2010. P. 89-91. 
									
									  
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