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SOCIOPSICOMOTRICIDADE RAMAIN-THIERS
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CIÊNCIA 3
Sociopsicomotricidade Ramain-Thiers e a Apresentação do Mundo
BEATRIZ P. M. MAZZOLINI
Psicóloga clínica, Sociopsicomotricista Ramain-Thiers, Membro da Equipe de Coordenação de S. Paulo - SP
O que é o mundo?
Em que mundo nós vivemos?
Que mundo é este?
Como conhecer um mundo de tantos anos?
Que coisas este mundo tem?
Quem irá apresentar o mundo a nós?
Para que conhecermos o mundo?
O que fazemos neste mundo?
Estas são questões antigas, que diferentes homens e mulheres, em diferentes momentos da história da humanidade, tentaram responder.
O homem atual, cheio de recursos técnicos e tecnológicos, se vê diante dos mesmos enigmas de sempre e continua pesquisando e observando o mundo, sem parar, e criando outras formas de se apropriar dele e de explicá-lo/compreendê-lo.
Muitos foram e são os pensadores que contribuíram na reflexão e compreensão destas questões, nas mais diferentes áreas do conhecimento, da arte ou da pesquisa. Até aqui estou falando de homens em uma fase de vida em que o "pensamento lógico-formal" já é possível, que operam segundo um processo secundário. Mas, e os bebês? Como será que esses grandes pensadores, quando bebês, conheceram o mundo? O mesmo mundo, que em fase posterior de sua maturidade de vida, eles passaram a indagar?
Tenho que dar um salto e fazer um grande recorte em todo esse percurso histórico e filosófico do homem, para usar de uma forma adequada o próprio recorte. Pode-se afirmar que a Psicanálise também contribuiu de forma efusiva à reflexão das questões propostas acima. Inicialmente na pessoa de Freud, seu criador e, posteriormente, nas de seus diferentes seguidores e opositores. Neste artigo, terei a oportunidade de expor, brevemente, a contribuição de Winnicott, um seguidor do pensamento de Freud e criador de idéias inovadoras no campo do desenvolvimento emocional primitivo. Nesta concepção, o ambiente em que a criança se desenvolve é de importância fundamental, juntamente com seu processo maturacional.
Minha prática profissional, utilizando a Sociopsicomotricidade Ramain-Thiers, enriqueceu-se muito com as contribuições advindas da teoria winnicottiana, principalmente no que se refere à sua teoria de desenvolvimento precoce infantil. Conceitos como o de ambiente suficientemente bom, espaço potencial, objetos e fenômenos transacionais, articulam-se à minha prática em Ramain-Thiers, auxiliando-me na compreensão de determinadas histórias clínicas.
A terapia Ramain-Thiers, por meio de seu setting específico (sujeito/s, socioterapeuta, materiais para Trabalho corporal, propostas diferenciadas etc.), facilita a criação de um potencial criativo. Tal espaço, que deve ser de confiança, é considerado por Winnicott como terceira área da vida de uma pessoa, além de suas realidades interna e externa. Essa área intermediária é a área da realidade compartilhada. Em Ramain-Thiers, objetos e fenômenos transacionais , muito particulares, podem encontrar inúmeras formas de expressar-se, nos diferentes objetos culturais, que são incorporados por esse enfoque terapêutico.
Começarei pela consideração que Winnicott, em um texto de 1945, fez a respeito do que ele considera como sendo o "ambiente inicial" do bebê, ou seja, a mãe. Segundo ele, é ela a responsável por facilitar ou dificultar o processo de evolução. A mãe, nessa condição de ambiente, vive o que ele chama de "preocupação materna primária", um estado psicológico de total devoção ao bebê. Deve identificar-se com o bebê e adaptar-se ativamente às suas necessidades, constituindo o que ele chamou de mãe suficientemente boa (ou ambiente suficientemente bom). Metáfora que aproveita para compreender o que vem a ser o terapeuta suficientemente bom.
O conceito de mãe suficientemente boa inclui o fornecimento de um setting apropriado ao desenvolvimento do bebê, permitindo que sua constituição possa acontecer. A mãe, na fase inicial do bebê, perturba pouco a sua linha de vida, garantindo a continuidade de seu ser; invade pouco o seu repouso, o que contribui para a base da constituição de um self verdadeiro. O amadurecimento psíquico e a constituição de um self mais autêntico também são os objetivos de um processo terapêutico.
O bebê tem um trabalho pessoal a fazer, ou seja, constituir-se como ser humano, estruturando um ego. Tal estruturação se faz por meio de três processos fundamentais do ego: o de integração (sentir-se como uma unidade), o de personalização (sentir-se dentro do próprio corpo) e o de realização (apreciação do tempo e do espaço e de outras propriedades da realidade). Tais processos são interdependentes, não se consolidam ao mesmo tempo, superpõem-se entre si e são facilitados ou dificultados pelas funções maternas.
A mãe suficientemente boa tem basicamente três funções maternas a cumprir, que são: a de holding, ou seja, segurar o bebê em seus braços, oferecendo-lhe confiança, o que auxilia no sentimento de integração do bebê; a de handling, ou seja, manipular o bebê de forma a cuidar de sua higiene e conforto pessoal, o que auxilia no processo de personalização; e a de apresentar o mundo, para que possa inserir-se na realidade compartilhada, o que auxilia o seu processo de realização.
A apresentação do mundo, feita pela mãe ao bebê, é de importância vital. Ela deve apresentar-lhe o mundo em pequenas doses e de modo gradual, pois é ela quem o protege das ameaças, daquilo que ele ainda não pode compreender e das possíveis invasões que o excesso de objetos desconhecidos e existentes no mundo poderá causar-lhe. Pode-se dizer que a função de apresentar o mundo ao bebê é o alicerce da objetividade. Dificuldades nesta área, em qualquer época da vida de uma pessoa, podem estar associadas a falhas ambientais ocorridas nesse estágio primitivo do desenvolvimento emocional, em que a mãe (ou quem cumpra essa função materna) tem que apresentar o mundo ao bebê.
A apresentação do mundo é uma função complexa e inclui o que ele chama de fenômeno da ilusão. Do ponto de vista do bebê, um ser humano (a mãe) traz o mundo para ele, o tempo todo e de um modo compreensivo e adequado à suas necessidades. O conceito de ilusão winnicottiano faz com que o bebê acredite que ele cria um objeto (criatividade primária), que já existe na realidade (o seio). A mãe permite que o bebê viva essa experiência de onipotência, para mais tarde desiludi-lo.
Segundo WINNICOTT (1951), o ser humano envolve-se, desde o nascimento, com questões advindas da relação entre o que é subjetivamente concebido e o que é objetivamente percebido. Para ele, não existe saúde para a pessoa que não teve um ambiente suficientemente bom no início de seu desenvolvimento. É esse começo, entre a criatividade primária e a percepção objetiva, baseado no teste da realidade, que vai fornecer a possibilidade do aparecimento da terceira área de experimentação da vida do bebê, em que ele pode exercitar os objetos como partes de si, mas que são objetos que pertencem à realidade externa.
Acredito que a Sociopsicomotricidade Ramain-Thiers pode oferecer o ambiente suficientemente bom que faltou no início da vida do paciente; pode propiciar experiências que visam auxiliar a junção de elementos que ainda não estavam integrados ao seu self; as vivências de trabalho corporal podem auxiliar e muito no processo de personalização e, principalmente, no processo de realização, quando o terapeuta dá as instruções das atividades ou nos momentos de verbalizações, quando aquele ou membros do grupo (se o atendimento é grupal) apresentam a realidade (o mundo), de forma contínua, gradual, suportável e humana.
Thiers (1998), afirma que um dos objetivos da Sociopsicomotricidade Ramain-Thiers é o de romper a célula narcísica, sendo esta uma forma de integrar o indivíduo a seu ambiente. Penso que Thiers, ao afirmar acerca do rompimento da célula narcísica, aponta para o que Winnicott chama de desilusão, um fenômeno tão importante quanto o de ilusão para a evolução do ser humano. Winnicott utiliza o conceito de maturidade para a relação inicial entre a mãe e o bebê. A desilusão é um momento delicado do desenvolvimento humano, é uma das "tarefas" da mãe suficientemente boa e deve seguir-se à ilusão.
Em Ramain-Thiers experiências de ilusão são muito comuns, quando se ouve do paciente: "Como você adivinhou que eu queria fazer (ou falar sobre) isso?", referindo-se a algum tipo de atividade ou de material que foi apresentado a ele pelo terapeuta.
O terapeuta suficientemente bom, tal como a mãe, após iludir deve desiludir. Um exemplo típico desse processo é o erro, um momento muito difícil para alguns pacientes. Como aceitar o erro e perder a onipotência de ser o que acerta sempre? O socioterapeuta, cumprindo sua função de apresentar o mundo ao paciente, apresenta-lhe uma nova experiência frente ao erro: trocar a cor do lápis ou usar o durex ou a cola.
Vivenciar isto em um ambiente de confiança, que pode assegurar a continuidade de um ser que erra, é abrir-se para um mundo que é difícil, competitivo, compartilhado e real.
Bibliografia
KHAR, B. D. W. Winnicott: um retrato biográfico. Rio de Janeiro: Exodus, 1996.
THIERS, S. Sociopsicomotricidade Ramain-Thiers: uma leitura emocional, corporal e social. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1998.
WINNICOTT, D. W. (1945). Desenvolvimento emocional primitivo. Textos selecionados: da Pediatria à Psicanálise. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1993.
__________. (1951). Objetos transacionais e fenômenos transacionais. Textos selecionados: da Pediatria à Psicanálise. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1993.
__________. (1964). O conceito de falso
self. Tudo começa em casa. São Paulo: Martins
Fontes, 1996.
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com Solange Thiers
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