Vol. XIII: Vitrais 91 - jun 2020

A Revista da ABRT Associação Brasileira Ramain-Thiers

ISSN 2317-0719

VITRAIS
Vol. XIII: Vitrais 91 - jun 2020

 

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Artigo 1

 

Hiperatividade: Uma Abordagem Terapêutica na Visão Ramain-Thiers

por: Helenice Soares da Silva

             Pedagoga. Psicopedagoga Clínica.Sociopsicomotricista Ramain-Thiers.

 

A hiperatividade vem se tornando um motivo de preocupação entre os profissionais da Educação, pois em geral se associa a dificuldades na escola e no relacionamento com as pessoas com as quais a criança convive. As crianças são tidas como “avoadas”, “vivendo no mundo da lua” e geralmente “estabanadas”. Muitas têm também um comportamento desafiados e opositivo associado, não respeitando limites e “enfrentando” ativamente os adultos. Esse comportamento, geralmente confundido com indisciplina, é característico da hiperatividade, que atinge cerca de 5% das crianças e adolescentes de todo o mundo, segundo os estudiosos.

Há dois tipos de crianças com hiperatividade:

— As que têm problema escolar pela dispersão, desatenção e falta de concentração e, em consequência do seu comportamento, não conseguem atingir os objetivos programados.

— Mas há os hiperativos que têm um bom desemprenho escolar, conseguem executar as tarefas de modo rápido e eficiente, e assim ficam a atrapalhar as tarefas dos colegas logo que terminam as suas, incomodando-os. Este comportamento gera uma insatisfação dos colegas, passando a serem malquistas e até rejeitadas pelo grupo.

A hiperatividade pode ser percebida em várias fases do desenvolvimento infantil. Pode ser observada já no lactente, porém trona-se mais evidente quando as crianças estão na fase pré-escolar ou escolar, quando é preciso aumentar o nível de concentração para aprender.

Três fatores principais ajudam a distinguir o hiperativo de criança que tem apenas um distúrbio de atenção mais leve e daquela que busca apenas chamar a atenção: a contínua agitação motora, a impulsividade e a impossibilidade de se concentrar, seja em brincadeiras ou em atividades pedagógicas. Essas atitudes devem ser constantes durantes pelo menos seis meses seguidos. O diagnóstico clínico deve ser feito com base no histórico da criança, e por isso a observação de pais e professores é fundamental.

Os sintomas mais evidentes que o hiperativo apresenta são:

·     ao brincar, não consegue se fixar durante algum tempo em determinadas atividades ou brinquedo, pois se desinteressa rapidamente de um e sai à procura de outro;

·     não consegue ficar sentado à mesa durante as refeições;

·     fala muito com os colegas;

·     interrompe a professora com frequência;

·     tumultua a classe com brincadeiras inoportunas;

·     se expõe com muita facilidade a situações de perigo;

·     não consegue assistir a um programa de TV, ficando o tempo todo se mexendo;

·     é muito desorganizado em sua vida diária;

·     não consegue se manter em grupo;

·     faz perguntas o tempo todo e não espera a resposta.

Embora com alguma frequência inteligente e criativa, pode apresentar notas baixas na escola ou então desemprenho muito inferior ao esperado para o seu nível de inteligência.

Quando se dedica a fazer algo interessante (pode jogar videogame ou assistir a um desenho animado), consegue permanecer bem mais tranquila. Apesar da sua atenção ser deficitária quando está fazendo algo muito interessante ou estimulante, o centro da atenção passa a funcionar como se fosse normal.

Os estudos sobre as causas da hiperatividade são ainda recentes, apesar de que muito tem se pesquisado sobre este assunto. Segundo os pesquisadores, existem mais hipóteses do que certezas sobre as reais causas do transtorno. Estudos parecem indicar que o modelo mais aceito para explicar as causas da hiperatividade é o da hereditariedade, em que os familiares em primeiro grau de crianças hiperativas também apresentaram nas suas infâncias ou adolescências os sintomas de desatenção, hiperatividade ou impulsividade.

Estudos têm sugerido também como causas: problemas durante a gravidez ou no parto, problemas familiares, aditivos alimentares, exposição ao chumbo, à luz fluorescente, etc. Mas nenhuma destas supostas causas jamais foi comprovada, havendo mais hipótese do que certezas.

As intervenções precoces podem representar um grande passo para minimizar o impacto negativo que este transtorno traz à vida da criança, dos pais e dos professores. Este problema quando não tratado pode associar-se a experiências negativas de ordem social, pessoal, familiar e escolar, permanecendo durante a adolescência e a vida adulta.

É fundamental frisar que a abordagem do transtorno exige intervenções múltiplas. Na maioria das vezes, énecessária a combinação das seguintes intervenções:

·     esclarecimento familiar;

·     intervenção psicoterápica;

·     intervenção Psicopedagógica e / ou de reforço de conteúdos;

·     uso de medicação;

·     orientação para os professores;

·     algunsautores indicam as terapias fonoaudiológica e psicomotora.

Como pode-se observar, a hiperatividade traz repercussões sociais, como a discriminação dos amigos na escola, nas festas, nas brincadeiras, no ambiente escolar interferindo na dinâmica de sala de aula, no relacionamento familiar causando transtornos domésticos às refeições ou na hora de assistir televisão, entre outros. Sendo desvalorizado, excluído, com sucessivas histórias de fracassos, vai haver um comprometimento no seu comportamento emocional, social e até corporal, com probabilidade de desenvolver baixa autoestima, sentimentos de inferioridade e de culpa, ansiedade, inibição, depressão, distúrbio de coordenação motora, incapacidade de se controlar, entre outros problemas decorrentes deste seu comportamento.

A Sociopsicomotricidade Ramain-Thiers é um método de intervenção psicoterapêutica que busca a compreensão do sujeito psíquico mediante a integração dos seus aspectos emocional, corporal e social, tendo como eixo central de atuação o corpo que é por onde todo ser humano realiza o seu processo de aprendizagem e construção do Ser.

Utilizando-se de exercícios de psicomotricidade diferenciada, trabalho corporal e verbalização, estas vivências vão possibilitar o desenvolvimento da atenção, do processo criativo, dos pré-requisitos necessários à aprendizagem, da busca da autonomia e outros aspectos, propondo-se ao desenvolvimento integral do Ser.    

O problema básico da criança hiperativa não é o de prestar atenção, mas sim o de manter a atenção focalizada e por períodos mais longos, principalmente em tarefas que lhes pareçam menos interessantes. A base do trabalho corporal em Ramain-Thiers é a busca de um estado de “atenção interiorizada”. Simone Ramain definia a atenção interiorizada como “um estado de energia desconhecida, difusa no organismo e que através das suas propostas o indivíduo descobre em si, descobre como usá-la, quando necessário se faz um estado de atenção. ”A proposta do Ramain-Thiers não é o de viver permanentemente em estado de atenção, porque isto tira a espontaneidade da ação, mas fazer uso da sua própria energia interior em situações diferentes. É perceber-se na ação, perceber o mundo, buscar o equilíbrio e também poder aprender a estimulação da percepção corporal, às quais tem o objetivo de promover uma maior integração do sujeito. Nesta atividade, materiais como bolas de diferentes tipos e tamanhos, bambolês, sacos de areia, tecidos, algodão, esponjas, cordas, fitas, elásticos são utilizados como objetos mediadores e facilitadores do contato entre o sujeito e o seu próprio corpo. As propostas corporais procuram, sempre, despertar a capacidade de cada um acompanhar o seu próprio movimento interno para descobrir o sentir nação, interligando o orgânico ao sensível.

O movimento corporal, pela experiência vivida, leva à ação consciente, porque a experiência favorece a relação, e a relação consigo alarga a percepção de si e do outro, alarga as possibilidades de insigths. Em Ramain-Thiers não existe a repetição, mas sim situações de experiências onde a criança ou adolescente são capazes de buscar na vivência anterior recursos que, dinamizados, podem ajuda-los a ter insights. As atividades de psicomotricidade Diferenciada são várias e envolvem dobraduras, cópias, trabalhos com arame, quebra-cabeças, texturas, recortes, atividades artísticas, representações de símbolos, utilizando material específico como papéis quadriculados, triangulados e pontilhados, pranchas de diversos tipos, material plástico como papéis de diferentes tipos (papel espelho, laminado, camurça, etc.), tinta guache, cola colorida, tesoura, pincéis, lápis de cor, giz de cera, argila, tecidos, etc. Também utiliza-se sucatas. A criança hiperativa sofre de uma grande desestimulação diante dos seus fracassos, manifestando conflitos internos, caracterizados pela ansiedade e até depressão. Não refletindo para responder, muitas vezes comete erros, sendo chamada de “burra” pelos colegas e até pelos pais e professores.

Na Sociopsicomotricidade Ramain-Thiers a troca dos lápis (preto, vermelho, azul e verde), o uso da cola e o durex resgatam o poder de reparação que na vida nos é exigido fazer.  As propostas psicomotoras permitem ao hiperativo vivenciar seus erros e acertos, ver o lugar em que ocorreram, visualizar as razões que contribuíram para que acontecesse, levando-o ao seu autoconhecimento. É permitido errar sem cobranças e com possibilidade de resgatar suas questões internas e aprender como lidar com falhas, sem, no entanto, carregar nenhum estigma de incompetência. Uma das manifestações da hiperatividade é a falta de controle e impulsividade, observando-se uma tendência à satisfação imediata de seus desejos e pouca tolerância à frustração. Uma das vantagens do trabalho em grupo do Ramain-Thiers é a questão dos limites. As instruções de orientação para execução das propostas das atividades de Psicomotricidade Diferenciada são, geralmente, pronunciadas uma só vez para o grupo. Quando há necessidade de se repetir a instrução, isto é feito juntamente com o grupo, numa tentativa de resgate ou de reconstrução da mesma. A proposta é a Lei em Ramain-Thiers. Não pode ser dissimulada nem transgredida, porque representa simbolicamente a entrada do sujeito na cultura. É exatamente o que permite ao indivíduo viver em sociedade, respeitando a si e ao outro, convivendo com os limites internos e externos. Pelo seu quadro apresentado, inicialmente a criança com diagnóstico de hiperatividade é trabalhada individualmente. Quando apresenta condições para tal é inserida no grupo, onde entre outras vantagens pode perceber que os outros também têm dificuldades, dar-se conta das suas potencialidades, perceber o outro e aprender a respeitar o outro bem como colocar limites.

  Uma criança dentro do grupo pode repetir através das relações que estabelece com os outros componentes, o mesmo modo, a mesma atitude com a qual é ou foi tratada em sua família, assim como pode também atuar contrariamente a esta experiência. Situações traumáticas vividas dentro do grupo familiar podem vir a ser representadas espontaneamente dentro do grupo e assim grandes ou pequenas dificuldades podem vir a ser resolvidas através da experimentação de novas atitudes. Umoutro momento da sessão em Ramain-Thiers é a Verbalização, na qual o grupo, através de cada um dos seus componentes, fala livremente a respeito do que vivenciou e executou.

  Assim, a Sociopsicomotricidade Ramain-Thiers, através do uso de materiais e técnicas aparentemente simples, como o recortar, colar, a troca de lápis, o olhar, o andar, o balancear-se com bolas, tecidos, fios e verbalização, permite ao sujeito entrar em contato com o seu interior, descobrindo-se, dando-lhe maior conhecimento de si mesmo no lidar com o outro e o mundo. Tendo uma visão globalizante, a técnica Ramain-Thiers é eficaz no tratamento de criança hiperativa, pois não atinge apenas o seu comportamento, como acontece quando apenas se utiliza de medicamentos. Não basta acalmar o comportamento agitado, de causas internas ou externas, pois assim cessam outras formas de analisar o comportamento. Tendo como objetivo trabalhar o sujeito como um todo, visando criar um maior campo de desenvolvimento individual e grupal, a Sociopsicomotricidade Ramain-Thiers pode ocupar um espaço inovador e eficaz no tratamento da hiperatividade.

 

REFERÊNCIAS

BENCZIK, E. B. P.: Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2000.

LOBO, A. L. M.: Sociopsicomotricidade Ramain-Thiers – Uma Nova Possibilidade de Desenvolvimento Pessoal. Psicopedagogia on line: www.uol.com.br/psicopedagogia, 2000.

RHODE, L. A. P.; BENCZIK, E. B. P.: Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade: O que é? Como ajudar? Porto Alegre: Editora Artes Médicas Sul Ltda., 1999.

THIERS, E.: (ORG.) Compartilhar em Terapia: seleções em Ramain-Thiers. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1998.

THIERS, S.: Sociopsicomotricidade Ramain-Thiers: uma leitura emocional, corporal e social. 2. ed. Casa do Psicólogo, 1998. 

TOPCZEWSKI, A.: Hiperatividade, Como lidar? São Paulo: Casa do Psicólogo, 1999.

THIERS, S. THIERS, E.: (ORG.) A Essência dos Vínculos. Rio de Janeiro: Altos da Glória, 2001. P. 348.