Vol. IX: Vitrais 80 - jun 2016
A Revista da ABRT Associação Brasileira Ramain-Thiers - ISSN 2317-0719
 
     
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VITRAIS
Vol. IX: Vitrais 80

                        jun 2016

 

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Artigo 2

 

O método “GrowingUp” como recurso psicomotor para intervenção em grupo

Vera Lucia de Mattos

 

O método “GrowingUp” como recurso

psicomotor para intervenção em grupo

Vera Lucia de Mattos

UNESA/IBMR/Móbile)

 

Resumo: O principal objetivo do método “GROWING UP” é oferecer aos terapeutas de diversas áreas de saúde da criança uma base para fundamentar e organizar os atendimentos e intervenções em situações de grupo. A intervenção organizada oferece o suporte necessário, não só para o desenvolvimento infantil, como também para a construção das relações no processo terapêutico. O arcabouço teórico que dá forma ao “GROWING UP” se condensa na interseção de três aspectos fundamentais para o desenvolvimento psicomotor, a saber: cognitivo-linguístico; motor/funcional e afetivo/social. O material que compõe o método é organizado em 10 caixas temáticas. Sua utilização se dá a partir do desejo e da necessidade de cada grupo e tem como objetivo maior o desenvolvimento global da criança e sua interação social.

Palavras-chave: Psicomotricidade, Desenvolvimento infantil, Estimulação

A proposta inicial, de fundamental importância na abordagem terapêutica proposta pelo método “GROWING UP” é o acolhimento da família e sua demanda. Tal encontro é muito mais que uma simples entrevista ou anamnese. Trata-se de tentar descobrir e compreender o lugar que esta criança ocupa em sua história. A disponibilidade para a escuta desta demanda é primordial atributo para um terapeuta que pretenda fazer uso desta metodologia. É uma escuta “sem pressa”, onde o tempo é determinado pela demanda até que esta esteja clara na escuta do terapeuta. Tornar-se atento para ouvir, neste momento, significa ter também o conhecimento e sensibilidade para identificar o instante em que a demanda se presentifica. Algumas brincadeiras foram selecionadas para facilitar a observação e avaliação da criança em situação de grupo que também podem ser utilizadas em atendimentos individuais. 

Além desta disponibilidade inicial, para a utilização do método, alguns conhecimentos teóricos são necessários para fundamentar a ação do coordenador do grupo. Os aportes dos autores do desenvolvimento não podem ser negligenciados, assim como conhecimentos básicos sobre o cérebro e seu funcionamento. O conhecimento teórico sobre o desenvolvimento infantil é de suma importância para embasar toda observação e para adequar sua intervenção, desde a escolha do material, do vocabulário e das atividades, o terapeuta (ou coordenador do grupo) depende deste conhecimento.

Nos grupos de psicomotricidade sob este enfoque metodológico é fundamental que haja dois coordenadores (ou terapeutas), de preferência com formações de base diferentes, para que possamos olhar o grupo, no mínimo, por duas perspectivas. Os grupos são compostos de, no máximo, seis crianças (com ou sem atraso em seu desenvolvimento). As atividades psicomotoras vividas na situação de grupo provocam desdobramentos afetivos e sociais de grande riqueza na construção da subjetividade. Estes desdobramentos ultrapassam suas fronteiras, uma vez que exigem, a todo instante, um enorme esforço perceptivo e cognitivo.

O interesse pelo meio social nas crianças é evidente desde o nascimento. A criança busca seus parceiros sociais através de mecanismos básicos de socialização, como a atenção seletiva para faces sorridentes ou vozes agudas e brincadeiras.

Estes laços sociais vêm sendo explicados como oriundos, também, de uma base neurobiológica natural, caracterizada por uma integração funcional que permite ao organismo manter seu equilíbrio e, consequentemente, sua adaptação ao meio. O cérebro pode ser visto, então, como o substrato biológico que fundamenta a sociabilidade humana.O cérebro social é visto como conjunto de regiões cerebrais que são ativadas durante o desempenho de atividades sociais, ligadas umas às outras, formando diversas redes neurais (KLIN, ROSARIO, MERCADANTE, 2009).

O cérebro funciona, segundo a teoria luriana, como um sistema totalizador que opera várias unidades funcionais consideradas como subsistemas. Para Luria, o cérebro é composto de múltiplas estruturas funcionais, que estão sistematicamente integradas em 3 grandes unidades funcionais fundamentais. As 3 unidades funcionais participam de todo tipo de atividade mental, quer no movimento voluntário, na elaboração práxica e psicomotora, quer na produção da linguagem falada ou escrita. A 1ª unidade funcional do cérebro trabalha interligada aos sistemas superiores corticais durante as atividades conscientes do homem sejam elas ligadas à programação da ação voluntária, de processos de decodificação e de codificação simbólica. A 1ª unidade funcional está em atividade desde antes do nascimento desempenhando participação decisiva durante o parto, e durante os processos iniciais de maturação motora. As estruturas do Sistema nervoso, responsáveis pelo funcionamento da primeira unidade funcional são o tronco cerebral, o diencéfalo e as regiões médias do córtex. Sua função é a regulação dos tônus cortical e postural e os estados de alerta (sono e vigília). Desta forma à Formação Reticulada assume, segundo Luria, um papel fundamental na motivação e na aprendizagem. Transforma através do seu poder de integração com os centros superiores, às sensações vindas de várias modalidades sensoriais em uma percepção.

As estruturas do Sistema nervoso, responsáveis pelo funcionamento da segunda unidade funcional estão localizadas nas regiões posteriores e laterais no neocórtex (convexidade superficial dos hemisférios cerebrais, que contêm as zonas responsáveis pela recepção dos órgãos sensoriais. Sua função é específica e suas células nervosas também, dependendo de sua localização (células do córtex visual não são encontradas no córtex auditivo...). Esta especificidade celular faz estas zonas sensoriais serem capaz de processarem diferenças sensoriais mínimas, garantindo uma percepção integrada, seletiva e complexa. São áreas responsáveis pela integração da informação, direta e simbólica. (Cognitiva) - linguagem oral e escrita, as operações lógicas, a matemática. Os dois hemisférios cerebrais têm as áreas primárias iguais em termos estruturais. As áreas secundárias são mais lateralizadas e as terciárias muito mais. O hemisfério direito é mais eficaz no processamento de padrões espaciais, rítmicos da memória não verbal e o hemisfério esquerdo mais eficaz no processamento de padrões verbais (linguagem) e lógicos, categorização e memória verbal.

A 3ª unidade funcional é responsável pela função de expressão e implica a organização da atividade consciente, ou seja, a programação, regulação e verificação deste tipo de atividade. Está localizada nas regiões anteriores do córtex, à frente do sulco central (áreas pré-central e frontal), região denominada de lóbulos frontais. A 3ª unidade funcional depende das duas primeiras e é responsável pelas ações voluntárias, que só serão realizadas mais tarde. Portanto, nas ações voluntárias podemos constatar a interação das três unidades funcionais.

Dentre os subfatores psicomotores o tônus é um dos mais importantes, o corpo teórico do método “GROWING UP” nos dá o embasamento para que possamos, quando necessário, intervir com o objetivo de provocar modificações tônico-posturais. No campo prático - proposta de intervenção em grupo – o método promove diferentes situações onde entram em cena as relações interpessoais.  O conteúdo da primeira caixa do “growing up” não traz somente brinquedos que estimulem as entradas sensoriais, mas também brincadeiras e jogos corporais imprescindíveis para o objetivo descrito acima. WALLON (1990) fala das “atividades posturais” com dupla característica: pode ser preparação para o ato e/ou de espera. A espera antecipatória indica uma atitude de ajustamento preparatório específico para a experiência que vem a seguir, seja ela a execução de um programa motor a ser realizado (quando a criança se prepara para pular – “1, 2, 3 e...Já!), ou simplesmente, não por isso menos importante, a espera sensorial afetiva. No que se refere ao tônus de ação, por meio de materiais dinâmicos o terapeuta convoca o grupo a executar desafios, circuitos, situações de planejamento e execução motora. Controlar o corpo é algo que o homem tem de mais difícil para aprender, porém o organismo é apto para realizá-lo. O controle motor exige uma posição econômica, que evita o desgaste desnecessário de energia para um determinado movimento. Essa economia nos é oferecida pelo campo perceptivo.

A segunda caixa do “GROWING UP” traz em seu conteúdo toda uma gama de propostas lúdicas que estimulam as áreas perceptivas (discriminação, reconhecimento, classificação, organização das impressões sensoriais). A produção motora é, portanto, um processo interativo das funções da mente e corpo na generalização do movimento (Sensorial + perceptivo + motor). As três primeiras caixas do “GROWING UP” podem ser utilizadas para o trabalho do equilíbrio, pois propiciam experiências proprioceptivas de grande importância para a maturação do sistema vestíbulo-coclear (carrinho de mão na bola suíça, charuto no colchonete) circuitos psicomotores onde diferentes desafios são lançados no que se refere a alturas, saltos, percepção de profundidade e consciência corporal. Em todas as atividades propostas a regulação tônica será imprescindível para a manutenção e conquista do equilíbrio.

É na quarta caixa do “GROWING UP” que separamos os materiais específicos para trabalhar o conceito de esquema corporal e o subfator psicomotor de noção do corpo. É por meio das fantasias, máscaras, bonecos articulados, quebra-cabeças das partes do corpo, marcadores corporais, maquiagem que construímos, junto com a criança, a descoberta e conquista de seu próprio corpo. No entanto a terceira caixa também se presta ao desenvolvimento deste conceito, visto que as atividades psicomotoras promovem experiências sensório-motoras variadas que convocam o corpo para a ação de estar no mundo. O Esquema Corporal é o canal por onde circula a imagem do corpo, é nosso equipamento neuromotor, tradutor do que sentimos e vivemos como sendo nós mesmos. Já a imagem corporal pode, resumidamente, ser definida como “A expressão da estruturação do corpo no imaginário, marcada pela fragilidade dos investimentos afetivos e dos impulsos pulsionais” (ACHARD, 1989). É um conceito de alta complexidade com base na teoria da psicanálise. É a imagem corporal que garante a existência do sujeito psíquico. Para Dolto (1992) “é a síntese viva de nossas experiências emocionais...” Sua construção está relacionada com a história individual de cada um e as relações que este estabelece com os afetos que recebe nas relações com o mundo. É construída com base nos contatos sociais, nas relações com o outro, sendo resultado de um processo de co-construção. É um conceito subjetivo, é inconsciente, logo, sendo singular, é constitutiva do sujeito. Não é um fenômeno estático, pois sofre as mutações a cada afeto recebido, podendo se resignificar a cada instante, até o fim de nossos dias. É estruturante para a identidade do sujeito e não pode ser medida ou quantificada.

Em Psicomotricidade verificamos a inter-relação entre os conceitos espaciais e temporais naquilo que chamamos de estruturação espaço-temporal (EET). A EET compreende a orientação espaço-temporal e a organização espaço-temporal. A estruturação espaço-temporal é importantíssima no processo de adaptação do indivíduo ao meio, visto que, todos e tudo ocupam um determinado lugar no espaço em um dado momento. É o conhecimento do próprio corpo que vai possibilitar a assimilação destes conceitos.

A orientação espacial e temporal corresponde à organização intelectual do meio, e está ligada à consciência, a memória, às experiências vivenciadas pelo indivíduo. A orientação espacial refere-se, então, ao conhecimento destas noções do espaço (é cognitiva); A organização espacial diz respeito à utilização que o sujeito faz de tais noções (é práxica); A orientação temporal seria, então, o conhecimento de todos estes conceitos temporais que vimos até aqui (também cognitiva); A organização temporal vai referir-se à utilização de tais conceitos pelo sujeito em questão (também práxica).

O método “GROWING UP” caracteriza-se por sua ampla aplicabilidade tanto no campo educacional quanto no campo clínico. A utilização das caixas temáticas percorre todas as etapas do desenvolvimento presentes na educação infantil, e também é boa ferramenta no auxílio da clínica da infância (Fonoaudiologia, Psicologia, Fisioterapia, Terapia Ocupacional), uma vez que aborda todas as áreas envolvidas desde o campo sensorial e perceptivo até o expressivo (linguagem, movimento e relações interpessoais).

Ninguém questiona que a aquisição da linguagem proporciona o surgimento de um sistema combinatório e relacional muito mais rico e sofisticado de percepções e memórias. Porém, atualmente já se pode comprovar que “os domínios culturalmente construídos possuem tanto uma base biológica e evolucionária quanto uma base sócio histórica. ” (Andrade, 2006. p. 113). Na quinta caixa o “GROWING UP” nos oferece uma enorme gama de recursos para o desenvolvimento da linguagem (assim como as demais caixas), desde a simples nomeação, até a complexa produção textual. A atividade da criança é cada vez mais valorizada no processo de ensino-aprendizagem, visto que é através dela que o cérebro é estimulado, elaborando e registrando suas experiências. Seu desenvolvimento, estrutural e funcional, está intimamente ligado a essas experiências.

As praxias finas são o tema da caixa 6 onde encontramos os estímulos para a coordenação manual e óculo-motora. Nesta proposta metodológica algumas das caixas (7 e 8) foram criadas para favorecer os processos de atenção, memorização e dos raciocínios lógico matemáticos. O mecanismo de atenção é fundamental para o processo perceptivo, possibilitando ao sujeito a tomada de consciência dos estímulos que o envolvem.  Na metodologia o cuidado para com o fenômeno da atenção é primordial, pois, sabemos de sua importância para todos os processos cognitivos. Cabe ao profissional usar recursos como a prosódia, intervenção tônica, apelos linguísticos para manter ou capturar a atenção do grupo. Sem dúvida, as atividades em grupo requisitam diversas capacidades (atenção seletiva, memória verbal, organização do pensamento, etc.), que se aproximam ao máximo das relações interpessoais do mundo adulto. As situações oferecem para as crianças que apresentam alterações do desenvolvimento, a possibilidade de lidar com situações inusitadas e, a partir das intervenções terapêuticas, tornarem-se capazes de regular seus comportamentos de acordo com o contexto.

A união entre atenção, percepção e memória dará à criança ferramentas para que ela possa se tornar o autor de sua própria história. No grupo do “GROWING UP” os profissionais serão os coautores desta história, provocando, o tempo todo, o seu crescimento. A busca pelo equilíbrio entre a própria autonomia e as atividades compartilhadas passa a ser o centro da questão na metodologia, pois, é o corolário do desenvolvimento das relações sociais do humano: aprender a manipular essas emoções conforme as normas e expectativas sociais, objetivando uma correta cognição social. 

Nas últimas caixas (9 e 10) nossa metodologia propõe a estimulação da linguagem escrita e as diversas formas de expressão por meio de diversos recursos plásticos (pintura, argila, costura, etc.). O Reconhecimento das letras, o reconhecimento do próprio nome, a formação de palavras, a percepção de sílabas, a escrita/leitura de palavras ou frases, produção textual, assim como a coordenação motora fina – reprodução de letras, a qualidade ortográfica e sintática e a interpretação de enunciados dependem das habilidades de simbolização e interpretação cuja metodologia vai trabalhando ao longo do uso das 10 caixas temáticas. Todas estas são ferramentas por meio das quais o sujeito se dá a ver ao mundo, através de suas infinitas formas de representação.

O “GROWING UP” proporciona, então, um desenvolver harmonioso, pois, abraça todas as esferas do desenvolvimento infantil, além de dar à criança a oportunidade de interação entre pares, que, a nosso ver, é a base para o desenvolvimento de qualquer sujeito. A partir destas considerações, fica evidente que as habilidades sociais são passíveis de serem adquiridas pelas trocas que acontecem no processo de aprendizagem social.

 

Referências: 

ACHARD, M. (1989) ActesduIXèmeColloqueInternational de ThérapiePsychomotrice, Paris.

ANDRADE, P.E. (2006) Desenvolvimento cognitivo na infância. Neurociências, v. 3, n. 2, p. 98-118, 2006.

DOLTO F. (1992) A Criança e o Espelho. São Paulo. Ed. Perspectiva, 1992.

MERCADANTE M. T. KLIN, A.; ROSARIO, M. C, (2009) Autismo, síndrome de Asperger e cérebro social. In: MERCADANTE, M. T.; ROSARIO, M. C. Autismo e Cérebro Social. Segmento Farma -  São Paulo.

LURIA, A. R. (1984) Fundamentos da Neuropsicologia. Ed. Livros Técnicos e Científicos S/A - Rio de Janeiro.

_________ (1986) Atenção e Memória. Ed. Livros Técnicos e Científicos S/A - Rio de Janeiro.

WALLON, H. (1990) De L’acte a la PenséeEd. Flamarion, Paris.

 

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A dimensão afetiva do corpo:
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