Vol. IX: Vitrais 79 - mar 2016
A Revista da ABRT Associação Brasileira Ramain-Thiers - ISSN 2317-0719
 
     
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VITRAIS
Vol. IX: Vitrais 79

                        mar 2016

 

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Artigo 2

Os diferentes saberes da modernidade

Carlos Alberto de Mattos Ferreira

 

OS DIFERENTES SABERES DA MODERNIDADE

- Imagem e esquema corporal –

 

“ O que tem valor duradouro em nós, numa sociedade impaciente, que se concentra no momento imediato? “ (Richard Sennett)
 

“Uma meta existe para ter um alvo, mas quando o poeta diz meta, pode estar dizendo o inatingível” (Gilberto Gil)

 

Carlos Alberto de Mattos Ferreira

Doutor em Saúde Coletiva (IMS/UERJ), Mestre em Educação (UFRJ),
Psicólogo (USU), Fonoaudiólogo (IBMR), Psicanalista e Psicomotricista.
Coordenador de pós-graduação em Psicomotricidade (IBMR).

 

 

 

RESUMO:

 

A modernidade vem produzindo novas formas de subjetividades e gerando desafios para o campo da educação e da saúde. Considerando-se as noções de imagem e esquema corporal como produzidas na interface do sujeito com a cultura e o outro, compreende-se que o meio é agente de novas formas de subjetividades e afeta as relações do sujeito consigo mesmo, com o outro, com o meio físico e o social. Relações de espaço e tempo apresentam-se cada vez mais instáveis, mutantes, e em surpreendentes transformações no uso de instrumentos e signos. A efemeridade, a indiferença e a fragilidade dos laços sociais inscrevem o sujeito num modelo social que prioriza o produto no lugar do vínculo.

O resultado é a descartabilidade das relações. Em nível individual, irrompem as depressões, as ansiedades, fobias, inibições e uma gama de sintomas nessa interface da imagem e do esquema corporal, com a modernidade.

 

Introdução:

 

A modernidade pode ser entendida como uma etapa da civilização identificada com a razão cientifica e a tecnologia. Sob um aspecto mais amplo, significa o que é mais recente e o que não tem identidade; é aquilo que se opõe ao velho e ao passado (SUBIRATS, E., 1984/1991).

 

Sennett (2012:9) analisa a modernidade sob a ótica do capitalismo flexível. Flexibilidade que gera ansiedade por não saber muito bem quais os melhores caminhos a seguir. Em um passado recente, a noção de carreira apontava para um caminho a ser percorrido. Algo análogo ao que Bauman denominou de período sólido.

No presente, dentre as características sociais que provocam sintomas, temos, por exemplo, o imediatismo, que é a busca de resultados no mais curto prazo possível. Há um projeto que impede ou inibe as propostas de longo prazo. No mundo corporativo contemporâneo, as próprias empresas têm vida lábil, desfazendo-se para se constituir em novos agregados. Todos os seus funcionários estão submetidos a essa mudança.

As novas ideologias que afetam a organização do tempo no trabalho, também alteram o próprio sentido deste.Por exemplo, com a compreensão de que “não há longo prazo”, também corroem-se os afetos ligados à confiança, à lealdade, à construção de vínculos, e ao compromisso mútuo. As novas empresas fomentam o distanciamento e a cooperatividade superficial, gerando laços frágeis de relacionamentos no trabalho.

Leader (2013/2015) sinaliza que os manuais de administração contemporâneos apresentam conteúdos com fortes traços maníacos e eufóricos. Sinais de traços da bipolaridade estão presentes nos valores da sociedade. A compulsão para atingir metas, o estímulo à produtividade que leva o sujeito à exaustão; onde o valor do funcionário é avaliado pelo desgaste em oferecer suas horas livres de dedicação.Eventuais estresses e adoecimentos são vistos como valores positivos no mundo corporativo contemporâneo. É a nova escravidão global. O status da entrega para o adoecimento.

A cultura contemporânea também contribui pela forma que instiga nossa autoimagem. Gil expressa em Metáfora (1982) que “a meta pode ser o inatingível”. E Sennett corrobora ao dizer que as metas são criadas para não serem atingidas, mas, sim, para que os indivíduos doem o máximo de si.

Dentre as principais contribuições de Bauman (2007), destaca-se que a cultura da patologização da educação é a mesma que cria as normas do mercado. Sobre a atenção, por exemplo, exigir que jovens imersos num modelo consumidor, com alto grau de descartabilidade de objetos e multiplicidade de estímulos, possam ter excelente desempenho em todos os níveis de aprendizagem, parece ser um imperativo um tanto quanto ansiogênico.

 

O Eu, a imagem e o esquema corporal ou Os efeitos do social no psiquismo 

Os conceitos de esquema e imagem corporal são compreendidos dentro do campo psicomotor sob diferentes perspectivas. Sob uma ótica clássica, o conceito de esquema corporal foi criado pelo neurologista Henry Head, em 1911.O conceito de imagem corporal foi estabelecido pelo psiquiatra Paul Schilder, em 1935, ao sustentar que a imagem do corpo é constituída por suas bases fisiológicas, estruturas libidinais e pelas influências sociais.

Os trabalhos de Jean Piaget influenciaram psicomotricistas, tais como Jean Le Boulch, que estabelece uma concepção de esquema, fortemente vinculada ao desenvolvimento das funções sensório motoras e indo em direção até às hipotético-dedutivas. Como descrito por FERREIRA (apud Le Boulch, 2008:23), “contribuir na construção da imagem do corpo operatório, por meio de uma estruturação continuada do corpo vivido, corpo percebido e corpo representado”.

Henri Wallon (1932/1971) sustenta a ideia de um esquema corporal constituído pelas interocepções, propriocepções e estereocepções, ou seja, das informações vindas do interior do corpo, das sensações tônico-musculares e das informações provenientes do mundo exterior. Estas informações estão indissociavelmente ligadas ao conteúdo afetivo de cada momento em que se exercem. O tônus é produto de uma experiência afetiva, por excelência.

Wallon descreve um importante estágio da construção do Eu, quando a criança começa a relacionar sua imagem e seu nome, ao próprio corpo. Primeiro, a criança se vê no espelho, sem relacionar a imagem ao corpo próprio. Segundo, por meio de um adulto, a criança se vê no espelho e começa a relacionar aquela imagem refletida à sua percepção corporal. Não coincidem no espaço a propriocepção e a estereocepção. O Eu se inscreve dividido. A percepção do corpo com suas sensações, não ocupa o mesmo lugar que a imagem.

O desenvolvimento da imagem e do esquema corporal é observável durante a ontogênese. A criança que, inicialmente se chama na terceira pessoa, passa a se chamar na primeira, geralmente, por volta dos três anos. É quando passa a dizer “Eu”. Seus movimentos incoordenados vão perdendo impulsividade e ganhando maior controle voluntário.

Com essa contribuição sobre a imagem do espelho, em Wallon, Jacques Lacan constrói uma teoria do estádio do espelho, na qual a criança se vê numa totalidade antecipando um corpo ainda fragmentado, gerando uma dissociação entre imagem e corpo próprio. Seguindo esses passos, Levin (2003) desenvolve um campo teórico e clínico, na psicomotricidade, baseado na construção da imagem do corpo apreendida pelo desejo do Outro. Em outras palavras, a criança constrói sua imagem e seu esquema na relação com o Outro e em função do desejo deste. Seguindo uma trilha iluminada por Rimbaud (1871): “O Eu é o outro”.

Dessa perspectiva, entende-se que esquema corporal é formado pelos instrumentos corporais que podem ser avaliados, tais como: movimento, atenção, linguagem, percepção, etc, e que a imagem é não avaliável, pois trata da subjetividade de cada sujeito. O desenvolvimento das funções não se confunde com o sujeito, entretanto, pode depender da imagem que este tem de si e que, inicialmente, é constituída pelo Outro.

Para o psicólogo russo L.S. Vygotsky (1930), a formação da representação de si e do mundo passa por uma interação entre o individuo (e seu organismo) e o meio sócio-histórico.

A imaginação é o sustentáculo de toda a organização mental e é constituída na experiência do sujeito no mundo, por meio da sua relação entre movimento e linguagem. Todas as funções superiores, tais como ação voluntária, atenção voluntária estável, memória semântica, percepção significante, pensamento verbal-lógico e fala são construídas por meio desta relação e sustentadas pela imaginação.

O Neuropsicólogo, A. R. Luria, seguindo os caminhos de Vygotsky, vem a definir sensação, como o processo básico de recepção das informações, tanto externas (sons, cheiros, afagos, toques e etc.), quanto internas (sede, fome, dor, prazer, etc.). Por isso, podemos considerá-lacomo a fonte primordial e primitiva dos conhecimentos pertinentes a leitura sensorial do mundo exterior e do nosso próprio corpo. Segundo Luria:

 “Elas representam os principais canais por onde a informação relativa aos fenômenos do mundo exterior e ao estudo do organismo chega ao cérebro, permitindo ao homem compreender o meio ambiente e seu próprio corpo” (1979:1).

 Ao classificar as sensações, Luria estabelece as interoceptivas, as proprioceptivas e as extereoceptivas. As interoceptivas são informações viscerais, cujos estímulos vêm de dentro do organismo eestão entre as formas menos conscientes e mais difusas, e conservam sua semelhança com os estados emocionais (desconforto, fome, tensão, frustração, calma e conforto).

As proprioceptivas asseguram os sinais referentes à posição do corpo no espaço e, em primeiro lugar, à posição do aparelho de apoio e movimento no espaço. Tem como base aferente a regulação, por ex: a resposta de uma atividade é o que regula e modifica o curso de um novo programa de ação. São constituídas pelas informações musculares e articulatórias e suas respectivas sensações de equilíbrio ou estática. As exteroceptivas são informações de contato (paladar, tato) e de distância (olfato, visão e audição).

Estas idéias de Luria influenciam o trabalho do psicomotricista Vitor da Fonseca ao compreender a atividade mental como um complexo de unidades, cuja atividade sincronizada, plural e harmoniosa permite ao ser humano receber informações do mundo exterior, criar uma auto-imagem subjetiva da realidade objetiva, predizer e antecipar o futuro, avaliar os resultados das suas ações e regular e ajustar os seus comportamentos (Luria, A., 1964 apud Fonseca, V.).

Em síntese, Vitor da Fonseca denomina de somatognósia o esquema corporal e assim o define:

“Trata-se de uma noção que envolve uma dimensão singular e plural, não uma exploração solitária (Vygotsky) do envolvimento, instrumento simbólico por excelência, substrato da linguagem, unidade e diferenciação afetiva e emocional, identidade do sujeito e seu instrumento de aprendizagem, uma mistura do significativo e do existencial pessoal, numa palavra, envolve o psíquico, é o psíquico“ (2002:30 in Ferreira e Thompson).

Dentro destas perspectivas aqui descritas, pode-se pensar quantos olhares distinguem-se na compreensão dos conceitos de imagem e esquema corporal. E, mesmo estes, são apenas um fragmento de muitas outras miradas sobre este tema.

Conclusão

 

Esses são alguns pontos que podem elencar sobre esta perspectiva de que as influencias socioculturais afetam a constituição do psiquismo. Muitos sintomas da clínica contemporânea têm causa nas organizações sócio-econômico-culturais. A hipervalorização do ter (o produto, a marca), em vez do ser (o talento, a afetividade) produzem sintomas que se expressam no corpo.

Corpo que responde pelo Eu. Eu da imagem e do esquema corporal, afetados pelo meio físico e social. Eu do inconsciente e o Eu da consciência. Diferentes subjetividades servindo múltiplos saberes. Relação tateada, neste sintético artigo, sobre os diferentes saberes da modernidade.

 

Bibliografia

 

BAUMAN, Z. – Tempos Líquidos. Rio de Janeiro. Jorge Zahar, 2007.

FERREIRA, C A.M. – artigo “A História da Educação Psicomotora na Educação Infantil: Da Psicocinética à Psicomotricidade Relacional” in

FERREIRA, C A; HEINSIUS, A. & BARROS, D R.

Psicomotricidade Escolar.  Rio de Janeiro, WAK, 2008.

FONSECA, V. –Manual de Observação Psicomotora. Porto Alegre. Artes

Médicas, 1995.

GIL,Metáfora 982). http://www.vagalume.com.br/gilbertogil/metafora.html

LACAN, J. -artigo O Estádio do Espelho como Formador da Função do Eu – Tal como é revelada na experiência psicanalítica (1949). Escritos.

Jorge Zahar Editor. Rio de Janeiro. 1995.

LEADER, D. – Simplesmente Bipolar (2013). Rio de Janeiro, Zahar,2015.

LEVIN, E.-Clínica e Educação com as Crianças do Outro Espelho. Petrópolis,  Ed Vozes, 2003.

LURIA, A. R.– Curso de Psicologia Geral. Vol. II. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1979.

RIMBAUD, A. –Canto de Guerra Parisiense (1871).

http://poscriticismo.blogspot.com.br/2011/10/com-efeito-eu-e-outro-diz-rimbaud.html

SCHILDER, P. – A Imagem do Corpo. As Energias Construtivas da Psique. São Paulo. Martins Fontes, 1994.

SENNETT, R. –A Corrosão do Caráter (1999). Rio de Janeiro, Edições Best Bolso, 2012.

SUBIRATS, E. –Da Vanguarda ao Pós-moderno (1984). São Paulo. Nobel, 4ª

ed. 1991.

VYGOTSKY, L -La Imaginacion y el arte en la infancia (1930), Fontamara. México, 1997

WALLON, H. – O Corpo Próprio e sua Imagem Exteroceptiva (1932) in As Origens do Caráter na Criança. São Paulo. Difusão Europeia do Livro, 2003.

 

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