Vol. VI: Vitrais 73 - dez 2013
A Revista da ABRT Associação Brasileira Ramain-Thiers - ISSN 2317-0719
 
     
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VITRAIS
Vol. VI: Vitrais 73

                        dez 2013

 

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Artigo

 

Violência Familiar

Silvana Bartilotti

 Silvana Bartilotti

Psicóloga, Sociopsicomotricista Ramain-Thiers.

 

INTRODUÇÃO:

A família, instituição criada pelo homem, adquire caráter histórico e social.

Como agrupamento de seres humanos consanguíneos, a família sempre existiu, porém as regras de seu funcionamentovêm, ao longo do tempo, setransformando.A cultura modifica as instituições, e com issoo “lugar”das pessoas na família, nem sempre foi o mesmo.

Quanto aos com menos idade, chamados de crianças, PhilipeAriès(1981) refere que só a partir do século XIX passam a ser exaltadoscomo filhosobjeto de amor dos paise, sua morte passa a ser motivo de luto para o adulto.No século XX,o chamado "século da criança”, o lugar delas passa a ser notado, descrito e aceito como fazendo parte da humanidade, sendo, portanto exaltada. A família passa a ser responsabilizada pelo que aconteceàs crianças. Nos anos 1900, os cuidados maternos e a caracterização da infância como período fundamental na existência humana, tanto do ponto de vista biológico como da subjetividade,tornam-se consenso após discussões de distintos autores (ARIÈS1981).

No curso da civilização, os comportamentos humanos e suas representações também se modificam e a violência na família, por exemplo, não é nova.

Encontram-se estudos sobre a violência familiarrealizados na França,e em 1860AmbroiseTardieu(presidente da Academia de Medicina de Paris)propõeoconceitode “criança maltratada”. A partirde1962a obra de Kempe, "Síndrome da Criança Espancada"expõe os maus tratos à infância que começa a ser objeto de investigaçãopassando a chamar a atenção dos profissionais da saúde e do público em geral. Consequentemente surgem as leis de proteção às crianças. (KRINSKY etal.,1985)

Em tempos atuais,a discussão sobre a violência faz parte da cultura. Reconhece-se nitidamente uma subjetividade agredidae afetadapela violência, e já se torna consenso os aspectos determinados por ela, tanto deforma direta como indireta. A forma direta torna-se reconhecível, pois marca com palavras em elevado volume, ou atuações físicas sobre o corpo das vitimas das agressões. Mas háuma violência indireta, não explicita, imperceptível, mesmo no interior das famílias. Os pais podem abusar de crianças menores, em fase de aperceberem-se do corpo, sendo, portanto vitimassem poder inclusive se defender. Outra forma de violência indireta esta no discurso dos meiosde comunicação de massa, nas escolas ou em espetáculos, tantopúblicos como privados, nas palavras ou imagens imposta aos que a consomem sem poder filtrar já que recebem de forma passiva, e não se estruturam para defesa crítica. Neste caso, os índices de violência familiar não são exclusivos de atuações contra crianças, mas também se associam a fenômenos contra mulheres, idosos,deficientes, entre outros.

A reflexão do sociólogo Jacques Donzelot,no livro “A Polícia das Famílias” (1980),pode contribuir para compreensão da violência familiar no enfoque contemporâneo. O livro contém uma leiturasócio-históricaque busca explicar causas da política de exclusão que impõe estigmas ao cidadão. O autor (1980) aponta a hipótese de que o enfraquecimento do poder do pai significaascensão da mulher e entrada, de forma excessiva, do Estado no controle e policiamento das famílias, gerando vigilância preventiva, onde as vítimas são apoiadas e resguardadas pelos Direitos Humanos e pelo ideal democrático.Em uma postura critica, Donzelot ressalta que a intervenção do Estado no seio da família acaba por produzir certo distanciamento entre membros, para além do pretendido.O texto descreveo modo como assistentes sociais tentam controlar conflitos familiares e as famílias desestruturadas continuamdemandando sempre, mais e mais,investimento desses agentes e do Estado. O fenômeno repetitivo de demanda por atuação externa em família onde ocorre violência sugere, em ultima instância, a ineficiência da atuação estatal atémesmo porque parece haver invasão e desvirtuamento do papel da instituição em assuntos individuais, dependentes de correlações e circunstânciascom instalações relacionadas à formação do individuo (DONZELOT, 1980).

E vale ressaltar que o enfraquecimento do poder do pai,mencionado, cujo lugar vem sendo historicamente ocupado pelo homem, não pode ser confundido com a fragilidade da função paterna, objeto de estudo da psicanálise.Sendo assim surge uma lacuna a ser pensada sobre a violência familiar como sintoma contemporâneo sob o viés da psicanálise, como complemento da intervenção maciça estatal, citada. Trata-se de refletir e localizar a especificidadedo processo que impacta a civilização.

Diante deste apelo se instala esta comunicaçãoque reflete sobre a estrutura da violência contemporânea perpassando sobre o conceito da maldade e aspectos de crianças vítimas de violência familiar.

Mas o que se entende porviolência familiar?

Trata-se de qualquer ato, omissão ou conduta que serve para infligir dor física, sexual ou mental, direta ou indiretamente, por meio de enganos, ameaças,coação ou qualquer outro meio, cometido contra uma ou mais pessoas da mesma família. Essas agressões sãopraticadas “aparentemente” com argumento de proteção do lar e tem por objetivo o efeito de intimidar, punir, humilhar, recusar o respeito à dignidade humana; à autonomia sexual; à integridade física, mental emorale aos atos privados de abuso e submissão.

Como, de uma forma geral, a violência familiar podenão deixar vestígios físicos e nem testemunhas presenciais, ela pode acontecer na clandestinidade, em sigilo,transformandoabusador e abusado em cúmplices de“segredo”que, geralmente, é negado. Esta condição causa, no sujeito abusado, um quadro de confusão, de dubiedade, além de instaurar verdadeiras “feridasinvisíveis”, muitas vezes irrecuperáveis. Se a taxa de homicídios se revela pequena, o prejuízo individual, familiar e social, no entanto, torna-se catastrófico(Miller,1999).

ESTRUTURADA VIOLÊNCIA:

Convém esclarecer,de acordo com Ilka Ferrari, que na obra de Freud e de Lacan o uso dos termos “agressividade” e “violência” nãose superpõem, ainda que possam estar interligados. A agressividadefaz parte do estatuto do conceito psicanalítico e situa-se como constitutiva do eu e da sua relação com seus objetos, sendo da ordem lidibinal.A violência na psicanálise adquire referencial do encontro do humano com a linguagem que não é sem consequência. Compreender a violência por meio desse enfoque supõe adentrar-se na constituição do laço social, considerar os discursos que imperam em dado contexto histórico e não perder de vista as formas como os sujeitos são capazes de responder aos mesmos,já que a pulsão está presente também em momentos pacíficos (FERRARI, 2006).

Segundo Freud (1930), existeum “mal-estar na civilização”,de caráterestrutural,que deixaohumano dividoentre a pulsão de vida(que o leva a tentar,cada vez mais,ampliar laços com o social) ea pulsão de morte (onde, eleexercita a sua agressividade inata, sua crueldade). A pulsão de morte não é só pulsão de destruição, ela é inerente à própria civilização em seus aspectos repetitivos, homogeneizantesecruéis. Agressividade é a forma ruidosa como o ser vivo encontra para se preservar na cultura.

A pulsão de vida, de Freud (1930), faz barreira à pulsão de morte, pela via do desejo, e parece encontrar-se,a apartir do século XX,  fragilizada com o declínio da função paterna(operador simbólico de caráter a-histórico), fazendo vigorar na contemporaneidade a lógica perversa da pulsão de morte que regula o gozo, que se expressa como a tendência à destruição, por meio da anulação das diferenças no plano simbólico, equiparando o corpo do outro a um objeto fetiche, visando driblar a castração.Freud sugere (1930) que a pulsão de morte (a destrutividade) atravessa a imagem do sujeito e se dirige ao ser do outro, inscrevendo-se nas diversas formas de expressão do ódio até que consiga se esgotar, por meio da destruição.

Para Lacan (1950), no livro“Complexos familiares na formação do indivíduo” a unidade do eu surge a partir da identificação com a imagem do outro, e agressividadetorna-se a relação de estranhamento com o próprio corpo enquanto unidade. E quando não haidentificaçãoestabilizadora com a ordem normativa paterna: há uma fixação que impede o sujeito de atravessar as relações de rivalidade e alienação com o que lhe aparece como ideal.A imagem que representa seu ideal é também o objeto de seu ódio (LACAN, 2003).  Do ódio para a agressividade, o salto é semântico: ambas as expressões dizem respeito à sensação interna ao sujeito, causada pela proximidade invasiva entre eu e outro. Segundo Lacan não há identidade sem agressividade e nem agressividade sem identificação. Como elemento intrínseco ao humano, sempre se inventarão formas de dar vazão à agressividade.

E quanto a contemporaneidade, segundo Lacan, o verdadeiro imperativo do supereu é: Goza!.  Esse imperativo categórico, que é uma lei do supereu, vai contra o bem-estar do sujeito, ou, mais precisamente, é indiferente ao seu bem-estar.

O conceito de pulsão de morte, de Freud (1930), se coaduna com o imperativo do supereu de Lacan e acaba com qualquer possibilidade e qualquer esperança de uma harmonia entre o homem e o mundo e entre o homem e ele mesmo. Para ambos o ser humano é estruturalmente agressivo e violento.

Lacan chama atenção para o paradoxo de vivermos uma sociedade onde o ideal do individualismo democrático é a norma de comportamento, masque ao mesmo tempo, é aquela onde os fenômenos de assimilação social são os que se impõem;isto é:todos têm o direito de fazer o que querem, não obstante todos olham a mesma emissora de TV à mesma hora, compram, pensam, sentem,fazemeamamas mesmas coisas, às mesmas horas e em proporções de espaço equivalentes.

Entretanto, deduz, que da assimilação social, do conformismo/passivo, surgem fenômenos de agressividade, pois eles incitam ao sujeito recuperar a distância e sua diferençado outro (MILLER- Sociedade,Violênciae Sinthoma, 2006).

O excesso de violência, na contemporaneidade,implica-se então com as paixões individuais, dos três “P”: poder, posse, eprestígio, dos ideais sociais, que podem,inclusive,se colocar nos círculos do nó borromeo(TENDLAZ,2008).

Segundo Lacan, a sociedade contemporânea está regida pelo discurso capitalista que se nutre pela fabricação da falta de gozo, produzindo sujeitos insaciáveis em sua demanda de gozo :“Essa linguagem que circunscreve o homem na sociedade de consumo reduz a dimensão subjetiva ao registro do imaginário e produz o sujeitonarcísico” que manipula regras do social da forma que lhe convém.

Diante da proposta apresentada, a violência constitui o humano, e a cultura, e o que se descreve trata da violência-agressividade essencial. Entretanto, insere-se uma questão: e como, sob este enfoque, em uma sociedade contemporânea, com seus novos discursos, surge à maldade?

ESTRUTURA DA MALDADE:

Para Bollas (2008), a estrutura da maldade tem fundamento em uma violação da fé da criança em relação à bondade de seus pais.Trata-se da rotura prematura do todo parental, protetor. O “self”, das crianças, assassinado quando são pequenas, por experiência de abandono e maus-tratos extremos, faz surgir a maldade. Quando essas crianças tornam-se adultos buscam fazer vítimasque experimentem semelhante morte do self, a mesma que o agressor experimentou na sua infância, identificando-se finalmente com o self assassinado da sua vítima (TENDLAZ, 2008).

Trata-se da instalação traumática da fragilidade da função paterna.

Neste caso o imperativo do supereu, de Lacan, repete insistentemente: Goza! .  A lei do supereu, indiferente ao seu bem-estar,  mantém relaçãocom a cena primitiva de abandono e maus tratos e, como era de esperar, repete a“linguagem que circunscreve o homem na sociedade e reduz a dimensão subjetiva ao registro do imaginário e produz o sujeito narcísico” que manipula regras do social da forma que lhe convém.

A maldade então, se instala no bojo da violência constitutiva do sujeito da cultura. E como a violência será sempre esperada, pois própria da formação da linguagem, essa violência acaba por encobrir a maldade de alguns, tornando os fenômenos de interpretação sinuosa e muitas vezes indecifráveis, até mesmo pelos malvados. Não se trata de algo novo, diferente, estranho. A maldade se instala como acidenteenquanto se instala o sujeito e como adereço da violência própria e constitutiva.

A maldade, portanto se transveste e se insinua, se perpetuando na civilização, sem fronteiras e de forma cada vez mais cínica.

Para o psicanalista Bollas (2008) pode-seconceber passos para “A estrutura da maldade” aqui adaptados para interpretação desta comunicação: em um primeiro momento a maldade aparece como bondade, como sugestão, como sedução;em seguida, surge o espaço falso que oferece à vítima “algo” que ela carece; produz-se então a dependência maligna,posto que surge a espera do prometido;emerge a traição, que faz ver à vítima que o sedutor não é o que representava ser; decorre a “morte psíquica” de ambos, da vitima e do violentador, maculados no ser.

Neste pulsar extenuante, o fenômeno da maldade pode associar-se a violência direta, ostensiva e também aindireta, subliminar. O que caracteriza o processo trata da repetição e tentativa de esgotamento da pulsão de morte, de Freud, 1930, onde os participantes da cena se destroem e se recuperam para novo episodio se instalar, repetindo os figurantes ou associando novos,permitindo resgatar a violência primitiva sofrida pelo agressor na sua idade primeva.

A maldade entãotem principio na família e, portantona fragilidade da função paterna, não do homem, do pai, mas da função. Se fosse possível categorizar, haveriaum momento sofrido pelo agressor que, marcado pela maldade, parte para reinstalá-la de forma pulsante e viciosa.A violência familiar aparece como geradora da maldadedas vítimas jovens de famílias onde ela ocorre.

ATITUDES DE CRIANÇAS VÍTIMAS DE VIOLÊNCIAFAMILIAR:

E a violência doméstica em crianças, segundo Miller (2006), de modo geral, pode também desencadear pessoas com ansiedade, sintomas físicos como dores de cabeça, úlceras, erupções cutâneas ou ainda problemas de audição ou fala, dificuldades de aprendizagem; preocupação excessiva; dificuldades de concentração; medo de acidentes; sentimento de culpa por não ter como cessar a violência e por sentir afeto (amor e ódio)pelo agressor; medo de separar-se da mãe para ir à escola ou outras atividades cotidianas; baixa autoestima; depressão e suicídio; comportamentos delinquentes (fuga de casa; uso de drogas, álcool etc.); problemas psiquiátricos entre outros do gênero (MILLER, 2006).

A psicanalista Sonia Couto (2005; p. 29), ao traçar paralelo entre a submissão aos maus-tratos e o sintoma neurótico a partir de Freud, diz: “Muitas vezes, as pessoas que cercam alguém que se encontra submetido a maus tratos são incapazes de compreender por que essa situação é mantida, principalmente quando, aparentemente, se encontram presentes todas as possibilidades de sua ruptura.Quando nada é feito, a continuidade de tal situação é ininteligível. Por mais que os amigos tentem apontar o seu absurdo e a irracionalidade da permanência de tal situação, sempre se deparam com uma resistência quase que instransponível à mudança. Os argumentos que justificariam a permanência parecemmuito óbvios para a vítima, embora apenas para ela. São frases do tipo: apesar de tudo eu o amo, um dia ele vai mudar. O pensamento (a racionalidade), por si só, não é capaz de romper os laços” (ibidem, p. 29).

Sendo assim, os autores citados chamam atenção para a violência familiar com apresentação polimorfa, comportamentosdistintos do usual. Atuações narcísicas associam-se a atitudes compreensivas em relação ao agressor. A própria família compreende, a mãe protege o pai que abusa dos filhos assim como ele aceita a mãe abusadora. Trata-se de relação de compromisso entre os membros do grupo.

O que foi enunciado sugere uma insidiosa instalação da maldade contemporânea, indistinguível da violência constitutiva do sujeito e transvestida de sintomas próprios dos novos tempos, aprimorados por benevolências confundidoras.

CONLUSÃO:

Diante do que foi apresentado cabe resgatar o caráter “de sociedade do espetáculo”,própria do século XXI, baseada na contemplação passiva, onde indivíduos não vivem na primeira pessoa, mas olhamos outros. Nos novos tempos, mais interessa a publicização do privado,diante inclusive das facilidades da comunicação em massa e em tempo real, com o advento da internet. E neste contexto coube refletir sobre como a violência familiar ganha “voz”.

Lembre-se que o pulsar violência-maldadese instala de forma primitiva nosque decidem desvincular-se dele. Portanto, mesmo sem se dar conta, a ruptura inspira mais sacrifícios e perdas que conquistas e avanços. Oque rompe se destituirá dos pares, da família, do seu núcleo constitutivo. O agressorpode transvestir-se de “bom moço ou mocinha” e muitas vezes o que rompeserá interpretado como violento e indigno. Este movimento não se revela simples, já que o supereuimpulsionará ao sujeito a manter-se “Gozando” e tudo em volta instala “o estranho”.

Anuncia-se que: todospodem edevem denunciar violências sofridas, mas para ganhar “vez”, propõe Prof. Milton Santos,faz-se indicado pensar mudanças, estratégias,e criar condições de tornar efetivas as modificações.Nos novos tempos, não basta denunciar, poisavítima de violênciademanda acolhimento e orientações. O ato de denunciar pode servir para consolidar a relação de compromisso entre agredido e agressor, criando um terceiro conivente, cúmplice, que exacerba a cena publicizando-a, hoje à serviço da “sociedade do espetáculo”. Assim, “Ela precisa de ajuda, de informação para compreender que vive um ciclo de violência e que esse ciclo não acaba como num passe de mágica e que isso é possível através de todo processo, político, econômico e social”.

Neste enfoque se insere o papel dosanalistas-cidadãos, convidados a vivenciar os conflitos das comunidades, das periferias, discutirapresentações de sintomas e em nome da verdade inconsciente repensar o papel que desempenhamna civilização contemporânea, inclusive o de contribuir com saberes e com as inscrições que geram o mal-estar na cultura(Laurent ,1999).

REFERÊNCIAS:

ARIÈS, P. (1981). História Social da Criança e da Família. Rio de Janeiro: LTC.

COUTO,Sonia Violência doméstica: uma nova intervenção terapêutica. BeloHorizonte: Autêntica, 2005

DONZELOT, J.  A Polícia das famílias. 2 ed. Rio de Janeiro: Graal, 1986

FERRAR, IlkaI Franco. Agressividade e Violência. Revista de Psicol. clin. vol.18 no.2 Rio de Janeiro  2006

FREUD, S. OMal – Estarna Civilização. Obras CompletasVol. XXI, Rio de Janeiro. Imago,1974

 KRINSKY. S et al. A criança maltratada . São Paulo. Almed.1985

LACAN, Jacques.  Escritos :“O estádio do espelho como formador da função do eu” e “Agressividade em psicanálise”. Zahar . Rio de Janeiro 1998.

LACAN, Jaques. Outros Escritos. “Os complexos familiares na formação do indivíduo”.Rio de Janeiro . Zahar, 2003

LACAN,Jaques. Da psicose paranóica em suas relações com a Personalidade. Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1987

 LACAN, Jacques . Oseminário, livro 20: Mais, ainda, (1972-73), (M. D. Magno, Trad).  Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985

LAURENT.E. La ética Del psicoanálisishoy. Freudiana,n 23, 1998

MILLER, Jaques Alain. Sociedad, violência y sinthoma -inMediodicho -  Revista de Psicoanálisis Nº 31 (esa) Violencia. – Publicación de la Escuela de la Orientación Lacaniana – Sección Córdoba, 2006

MILLER, L. Protegendo as mulheres da violência doméstica. Seminário de treinamento para juízes,procuradores, promotores e advogados no Brasil. Trad. Osmar Mendes. 2.ed. Brasília: Tahirid Justice Center, 2002.

MILLER, Mary Susan. Feridas Invisíveis- Abuso não-físico contra mulheres. São Paulo. Summus,1999

TENDLARZ, SilviaElenaA quién mata elasesino?Ed. Grama. Buenos Aires, 200

 

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