A Revista da ABRT Associação Brasileira Ramain-Thiers
 
ARTIGO

O SUJEITO E O PROCESSO CRIATIVO EM
RAMAIN-THIERS

 

PAINEL DO RIO DE JANEIRO

O SUJEITO E O PROCESSO CRIATIVO EM
RAMAIN-THIERS

Autoras: Angela Duarte, Elaine Thiers, Eliana Julia Garritano, Hanka Moczijdlower, Kathleen Cardoso, Leila Maggio

Tive a sorte de buscar os caminhos certos. O que mais me anima e fortalece é que tudo o que busco têm sido gratificante para cada momento da minha vida profissional. Tive ótimos orientadores neste percurso e busco até hoje pessoas e lugares que fornecem sempre estratégias muito boas para que eu alcance minhas necessidades. Acredito que meu trajeto profissional já estava traçado, já que aos 6 anos de idade, tendo um pai surdo, fiz com que ele conversasse comigo através da leitura labial, quando estava sem o aparelho. Hoje acredito, que já trabalhava a psicomotricidade, como a própria fonoaudiologia. Continuo sempre buscando,

 

1 - A CRIATIVIDADE

“As pessoas que vencem nesse mundo são as que procuram as circunstâncias de que precisam e, quando não as encontram, as criam.”

Bernard Shaw - filósofo 

De uma forma geral muito se tem refletido sobre a importância da criatividade no mundo contemporâneo.

Discute-se sobre os aspectos relacionados com a promoção da capacidade criativa em diferentes espaços e a necessidade de ações que possibilitem a emergência de movimentos transformadores, investidos de desejo na possível reinvenção do futuro.

O termo criatividade, etimologicamente, é derivado do latim “creare” que significa originar, gerar ou formar e do grego “krainein” que remete ao sentido preencher.

O significante criatividade apresenta-se como termo chave na relação natureza/cultura, sensibilidade/inteligência, inato/adquirido.

Independente das diferentes concepções teóricas, a criatividade faz parte dos primórdios da civilização humana como forma de lidar com o caos, ou com a comunicação. Emerge nos animais desenhados nas cavernas de Lascaux, nos adornos de túmulos arcanos, nas construções egípcias e gregas, nas reflexões filosóficas, nas pinturas de Da Vinci e Picasso, nas esculturas de Michelangelo ou no muro grafitado do artista anônimo dos dias atuais.

Sua origem efetiva aparece no século XVIII, onde os conceitos de criatividade, originalidade e imaginação constituíam o centro da estética romântica. Este conceito também estava associado à loucura pela sua natureza de irracionalidade, vinculada ao gênio na criação artística, tornando-se foco de estudo da psicologia.

Outra concepção que encontra sua origem no pensamento do século XVIII consiste em associar a capacidade criativa à imaginação. Essa seria a livre associação de idéias obtida por inspiração e talento, sendo a palavra imaginação compreendida como um termo que se referia à totalidade dos processos mentais, mantendo correspondência com a faculdade formadora de imagens. A imaginação criadora permite a concepção de situações, fatos que se realizam como imagens internas.

A imaginação torna-se a base da criação artística, como mediadora entre o real e o sonho, permitindo estabelecer as relações entre o mundo dos sentidos e a arte. Ainda nesse mesmo século, a imaginação fica mais ligada à emoção do que à razão.

Embora não se possa afirmar com precisão o significado de criatividade, já que o termo é explorado em múltiplas áreas do saber, podemos inferir que a palavra tem sua raiz na dimensão de algo que renasce e transforma pela ocupação de um novo lócus. Dessa forma, criar compreende uma qualidade de pensar e imaginar de maneira inovadora, através de uma produção ativa de reflexão, afetos e ações que propiciam a emergência do novo como resposta. O ato criativo pressupõe o desconhecido, pelo próprio movimento que lhe é inerente, onde o novo quase sempre tem origem em um estado caótico de organização de informações, necessidades e emoções.

A relação com a criatividade enseja uma travessia onde o exílio se faz presente, exílio no sentido de um afastamento do saber instituído, da verdade única, de um corte com o ver cotidiano, um des-saber que se compromete com o nada.

O sujeito ao criar, parte do despoder e do desamparo ao falar do inefável e do indizível, na tentativa de significar, produzindo efeitos simbólicos que diferem da repetição do mesmo. A capacidade de criar, inerente ao ser, materializa-se desde a produção de bens até a arte que permite a sublimação e a transcendência.

De um modo geral o aporte teórico oscila entre dois pólos: no inatismo a atividade criadora é vista como algo inerente ao sujeito, constituindo-se como condição para toda e qualquer transformação de produções simbólicas que permitam comunicar o real ao longo da história de cada um. A abordagem culturalista concebe o processo de constituição do sujeito como inexoravelmente social sendo dessa forma, a criatividade necessariamente mediada e constituída em um contexto sócio histórico cultural.

A imaginação criadora é motivada pela condição de fantasiar a realidade. O sujeito irá criar, na medida em que consegue fantasiar, de acordo com sua experiência acumulada, produto do seu ambiente. Ela é a fonte originária da criatividade e ocorre através da capacidade de investigar a possibilidade, gerando o novo, estabelecendo relações. Envolve um desenvolvimento mais elaborado dos processos do pensamento.

A criatividade também pode ser definida como a emergência de um produto relacional novo, resultante por um lado, do sujeito e por outro lado, pela influência dos outros e das circunstâncias de sua vida. A vida torna-se criativa, na medida em que o ser humano realiza suas potencialidades.

A criatividade possui algumas condições interiores, como a flexibilidade, pois o ser humano precisa de abertura, experiência, elaboração e originalidade, estando estas características articuladas à capacidade cognitiva, pensamento e memória.

O ato criador é uma busca pela inovação, e podemos pensar também, que a criatividade é um processo de mudança, de evolução na organização da vida subjetiva, ou ainda na utilização de símbolos visando produzir algo diferente, que seja importante para a sociedade.

Quando se fala em criatividade o que vem a mente?

Surgem idéias a respeito de algo inovador que foge aos padrões normais, podendo algumas vezes ser um ato de rebeldia. Em síntese criatividade pode ser resumida como invenção, inovação, modificação, transformação e tudo o que implica em mudar e reformar o estabelecido. Motiva o sujeito pela auto-realização. Criatividade tem a ver com liberdade. Pode ser aplicada nos diferentes campos: filosófico, metodológico, social, político e outros. Variando com sua utilização poderá ser algo bom ou ameaçador.

O sujeito criativo é aquele que constantemente renova-se, vencendo obstáculos e superando barreiras, buscando novas possibilidades para resolver seus conflitos pessoais e é levado desde cedo a reestruturar o próprio Eu criando defesas pelas atividades criativas.

A adversidade abre caminho para o aumento da percepção e permite o semear de novas expressões criativas que se somam à cultura.

O ser humano é dotado de habilidades criativas, vinculadas aos seus talentos e sua capacidade de promover insight. Podemos classificar como etapas do processo criativo: o sentir o problema, a observação do mesmo, e a transformação em algo racional a ser resolvido. O encontro da solução, o insight, se forma a partir da observação de pequenos detalhes, e no momento de necessidade surge e reúne-se na mente humana, sem razão aparente. O mais difícil no processo criativo é a última etapa, que necessita sair do plano das idéias para a prática produzindo a solução.

O criar permitiu ao homem combinar a tentativa de satisfação do desejo com a utilização da fantasia quando adaptada à realidade, tranformando-a numa nova verdade, convertendo a passividade em atividade. Pela inspiração criativa, remodela sua produção, na busca de renovar e reorganizar, procurando soluções para novas questões.

Através das experiências infantis o potencial criativo emerge. À medida que os pais apóiam e até incentivam, promovem condições para que no futuro as crianças venham a se tornar adultos inovadores e criativos, usando as habilidades criativas como uma atitude frente à vida, com desapego aos paradigmas. É durante a infância que o potencial criativo pode ser ou não estimulado, através de habilidades manuais e da capacidade de transformação ao brincar.

Existem características peculiares em pessoas criativas: a curiosidade, a persistência, o bom humor, a liberdade de ação com responsabilidade, a percepção e a capacidade de previsão de conseqüências das suas criações. Todos possuem potencial criativo e a sua busca propriamente dita passa pelo abandonar o convencional na escolha de novos caminhos.

A criatividade motiva e reforça a capacidade de adquirir ou efetuar novas aprendizagens possibilitando entrar em contato com sentimentos, emoções, pensamentos, interpretações de acontecimentos da vida e identificação de intenções.

Assim o adulto conjuga elos entre seus pares, num movimento não só vigoroso, mas também sustentável, abandonando o caminho solitário. Consequentemente torna-se possível estabelecer novas relações que permitam a diferença e a originalidade, produzindo a emergência do novo, outrora inalcançável e não representável.

Em uma sociedade onde cada vez mais lacunas se avolumam, demandando novas respostas, a criatividade passa a ter um lugar de importância, nas diferentes áreas do saber. A criatividade, por sua dimensão sócio-cultural universal incrementa o aproveitamento do potencial humano, determinante nas mudanças históricas, científicas, tecnológicas, culturais, na renovação dinâmica dos recursos para o conhecimento do mundo e da vida.

Embora no passado definissem pessoas como “criativas” atualmente esse termo foi generalizado para o esporte, culinária, dança, literatura, entre muitos outros campos do conhecimento.

Fugir das normas rígidas de comportamento, pensar ou agir diferentemente era uma ameaça aos regimes totalitários instituídos. Na contemporaneidade, nas sociedades livres e democráticas isso é incentivado, porém a liberdade de ser criativo também obedece a determinadas normas. Consequentemente o ser criativo provoca respostas que podem ou não ser aceitas.

O refletir sobre mudanças, provoca transformações que podem num processo contínuo mudar o sujeito, a sociedade e num mundo globalizado ser uma semente para transformações mais profundas.

Criar lembra criador que é aquele que cria, porém o “criador” não pode nem deve acreditar ser o dono da verdade. Não aceitar que outros possam acrescentar algo a sua criação é inconcebível.

A criatividade favorece a comunicação, produzindo modificações, que pela dimensão simbólica introduz uma nova realidade e assim provoca novas necessidades.

No âmbito da criatividade é importante considerar a relação de consenso entre o individual e o coletivo. A criatividade implica em uma função de relação transacional sendo um processo inter e intrapessoal.

A busca permanente ensejada pelo desejo imprime ao mundo um estado de mudança em face às necessidades de bem estar físico e psíquico. Portanto criar é poder refletir e realizar-se na procura contínua de outros caminhos onde a produção do novo exercita a dimensão humana. Talvez seja essa a maior esperança para um mundo melhor, mais ético, feliz e justo, na capacidade de reinventar-se, na recriação de si mesmo.

No contexto em que vivemos, onde tudo é fugaz, passageiro e descartável, onde a experiência humana é brutalmente banalizada, criar tornou-se sinônimo de produzir, construir e inventar novos encontros, ações e resoluções.

Somos todos portadores de uma energia criativa seja ela inata ou não, mais ou menos intensa. Podemos ao longo da vida ir perdendo essa capacidade por influência de fatores externos, mas sem esquecer que a criatividade é um potencial. É por esta razão que no mundo contemporâneo ela surge como um elemento indispensável na prática cotidiana. Ao desenvolver habilidades criativas, seremos capazes de lidar com o futuro e suas incertezas.

Thiers S., no livro Sociopsicomotricidade Ramain-Thiers, afirma que:

“(...) É a criatividade fruto da crise social. E pensando no processo defino criatividade: um processo de mudança, de desenvolvimento, de evolução na organização do mundo interno de cada pessoa que se projeta no externo de forma produtiva.

Ainda pode-se dizer que a criatividade é um potencial inerente ao ser humano, é a sua possibilidade de lidar com o que é diferente de si. “Isto só se torna possível porque no seu processo de crescimento descobriu em si o desejo e convive com a ferida narcísica, buscando sua completude na constante recriação.” (THIERS, S. 1998, p 66).

Nós, em Ramain-Thiers, somos adeptos de que a criatividade pode ser estimulada e dessa forma utilizamos de situações que levam a experimentar vivencias análogas à vida, através da Psicomotricidade Diferenciada. Ramain-Thiers promove, através da arte, do novo, do belo e do corporal a passagem vivencial no processo criativo.

A Sociopsicomotricidade entre seus objetivos visa a expressão harmoniosa, a organização afetiva emocional e cognitiva, num diálogo constante. Criatividade em Ramain-Thiers é estabelecer relações, combinando elementos sociais, culturais, linguísticos e corporais. Quando se combinam estes elementos de diferentes maneiras acompanhamos o surgir de novos insights, que transformam o original muitas vezes em produções coletivas.

 

2 - A CRIATIVIDADE NOS GRUPOS RAMAIN-THIERS 

2.1 - RAMAIN-THIERS E RECURSOS HUMANOS 

Estudos atuais das organizações evidenciam as freqüentes e rápidas mudanças tecnológicas e sociais, resultantes do processo de globalização. A interdependência crescente entre os países levou as organizações, na conquista de solidez e competitividade, a progredirem tecnologicamente e a investirem, principalmente, no seu capital humano.

Antes dos anos 90, as transformações já estavam presentes na maioria das organizações, mas na entrada do novo século, elas criaram um novo perfil e surgiram modificando processos, estruturas e o comportamento das pessoas dentro das empresas.

A administração clássica privilegia a parte racional do homem nos enfrentamentos das dificuldades diárias e nas superações das crises, no entanto, não só a razão é responsável por estas vitórias, as emoções influenciam, sobremaneira, as respostas dadas a estes obstáculos cotidianos, principalmente, se levarmos em conta a realidade da globalização, que exige transformações radicais acompanhadas de atitudes estratégicas, objetivando sobreviver e competir neste novo mercado.

Em meados do século passado, procedimentos burocráticos, repetitivos e reprodutivos eram característicos nas organizações “mecanisticas”, que privilegiavam procedimentos, normas e métodos. Hoje, ao contrário, este padrão de comportamento já não basta, atreladas às mudanças globais, as organizações “orgânicas” exigem pessoas criativas e inovadoras, novos produtos, serviços, métodos, processos, equipamentos, tecnologia, estrutura organizacional e cargos, onde a criatividade permeia todo esse processo.

A criatividade é o combustível que impulsiona todas as iniciativas dentro de uma organização, sendo ela o primeiro passo para uma transformação construtiva que tem como essência a inovação, necessitando por sua vez, da criatividade.

Entendemos por inovação a prática da criatividade, ou seja, só a idéia criativa é ineficaz, precisamos colocá-la em funcionamento.

A inovação, nas organizações, aparece de duas maneiras, como inovação de processos e como inovação de produtos. Inovação de processos refere-se à novas maneiras de fazer um trabalho, e a inovação de produtos, à criação ou melhoria de produtos e/ou serviços.

Para gerir a inovação é preciso um suporte ativo à invenção e à aplicação. Os gerentes hoje têm a importante responsabilidade de estimular a criatividade individual e grupal e, necessitam ser indulgentes com os erros, pois estes promovem maior rapidez na aprendizagem. Para isso estão sendo requisitados a pensar em locais de trabalho propícios à criação e a garantir que as idéias surgidas tenham seus potenciais comerciais colocados em prática.

O processo de inovação possui quatro fases:

1ª – Criação de idéias – Proporciona novos modelos de saber por meio da ampliação dos conhecimentos já existentes ou pela criação de novos e a sua divulgação.

2ª – Experimentação inicial – Os novos conceitos são levados à discussão com a equipe, clientes, consumidores ou técnicos, através de protótipos ou amostras, com a finalidade de provar sua qualidade.

3ª – Determinação de viabilidade – Análise formal da funcionalidade e do investimento financeiros necessários, assim como a identificação de custos, benefícios e mercados potenciais.

4ª – Aplicação final – Se dá com a implementação do novo processo na rotina operacional da organização ou com a colocação do novo produto no mercado.

 

DEAÇÃO - Técnicas de Produção de Idéias

O mundo globalizado transformou-se no paraíso das inovações. Palavras como criação, imaginação, entre outras, tornaram-se expressões corriqueiras no dia a dia das empresas competitivas, afinal com a tecnologia cada vez mais ao alcance de todos, o inovador passou a ser o diferencial competitivo para o negócio. Diante disto, as empresas se vêem frente a uma realidade: é preciso estimular a criatividade dos colaboradores, pois só assim é possível garantir espaço diante dos demais concorrentes. Para suprir esta demanda, surgiram técnicas de produção de idéias. Uma das primeiras técnicas conhecidas é a associação de idéias, estruturada por Platão e Aristóteles (séc. IV a.C.). Nos dias atuais, além da associação de idéias, existe uma quantidade enorme de técnicas de ideação, como Técnica de Perguntas, Brainstorming, e outras mais complexas.

A associação de idéias foi definida como um fenômeno resultante do encaixe da imaginação com a memória, favorecendo o encadeamento dos pensamentos. Platão e Aristóteles ao estudarem a associação de idéias sugeriram três leis:

Contiguidade – exprimindo sequência de idéias – empregado em causa e efeito

Semelhança – exprimindo analogia entre idéias – empregado em metáforas

Contraste – exprimindo idéias em oposição – empregado em ironias e humor

Estas leis seriam as primeiras técnicas utilizadas na criatividade do pensamento, possibilitando uma linha de fuga do pensamento mecânico, produzindo o novo.

As organizações comprometidas com a modernidade, que atuam positivamente diante da pressão do mercado globalizado e que buscam constantemente novos métodos e conceitos que valorizam a criatividade, parecem ter compreendido que seus colaboradores não são mais um mero recurso organizacional, possuindo um diferencial criativo para a sua sobrevivência.

Neste universo, a Sociopsicomotricidade Ramain-Thiers apresenta-se como uma ferramenta moderna e eficaz para as organizações, tanto para os processos de Seleção, quanto para os programas de Treinamento e Desenvolvimento.

Ramain-Thiers Empresa tem como objetivos o desenvolvimento da atenção interiorizada, do processo criativo, a busca da autonomia e a mudança de atitude.

O desenvolvimento da atenção interiorizada possibilita a percepção eficaz da realidade, levando o sujeito a lidar melhor com ela, estimulando-o, também, a incrementar a sua atenção no sentido de encontrar novas maneiras de estar no mundo.

O desenvolvimento do processo criativo favorece a procura, pelo indivíduo, de soluções atualizadas para resoluções de seus problemas, através de propostas novas ou conhecidas, porém com exigências diversas.

A busca de autonomia, em Ramain-Thiers, refere-se ao respeito aos limites do próprio corpo e a possibilidade de quando em grupo, o indivíduo procurar suas respostas e se disponibilizar para a mudança de situações.

Com a atenção interiorizada, o desenvolvimento do processo criativo e a busca da autonomia o sujeito consegue uma mudança de atitude consigo mesmo e com o mundo externo. Esta mudança acontece através do desencadeamento do processo criativo e aceitação de si e dos outros, permitindo ao sujeito uma vida melhor em sociedade.

 

2.2 - RAMAIN-THIERS E COGNIÇÃO 

Podemos considerar que o pensamento criativo se caracteriza fundamentalmente pela autonomia, quando focalizado para a produção no novo. Novo este, aceito por um quantum significativo de pessoas como algo útil na cultura.

O mundo contemporâneo solicita não só o pensamento criativo como também os processos que dele decorrem. Assim, em consonância com o pensar criativo surgem os processos cognitivos envolvendo o conhecer, o compreender, o perceber, o aprender e suas relações com o psiquismo. Estes processos se referem à maneira pela qual o sujeito estabelece suas relações entre o seu mundo interno e o externo, acrescentando novas informações a dados previamente registrados.

Embora os processos criativos e os cognitivos tenham sido tratados historicamente como fatores separados, podemos perceber que a relação entre eles é bastante estreita.

A criatividade é considerada um conjunto de habilidades cognitivas, sendo difícil estabelecer limites entre cognição e criatividade, pois o ato de criar também implica em compreender, relacionar, ordenar e significar. O centro do processo criativo permite a ampliação da imaginação através da possibilidade de fazer associações.

Compartilhamos com recentes pesquisas que abordam a cognição como vinculada ao surgimento da linguagem sendo constituídos no seio da cultura entrelaçando razão e emoção. A emoção surge antes da linguagem, podemos inferir que a emoção quando elaborada pela linguagem, amplia o campo cognitivo e criativo refletidos na ação. A dimensão simbólica se edifica a partir da relação com a cultura.

A criatividade desempenha uma função importante no desenvolvimento da cognição, como a capacidade de produzir e compreender situações. A cognição realiza-se através dos aspectos básicos da formação do pensamento e das sensações corporais.

A Sociopsicomotricidade Ramain-Thiers, através de propostas lúdicas, promove o desenvolvimento das funções básicas do pensamento: atenção, percepção, memória, relação figura-fundo, coordenação óculo-manual, análise e síntese, além do trabalho corporal que despertam condições para o pensar, facilitando o processo da aprendizagem.

Para Ramain-Thiers, o desenvolvimento cognitivo depende da vinculação emocional, pois a confecção da proposta promove uma interação com o sujeito, sendo a verbalização o momento máximo de expressão.

O trabalho corporal fortalece a estrutura egóica e o psiquismo em direção ao saber, onde o conhecimento ocorre.

Sabemos que para criar torna-se necessário que o sujeito abra mão de toda uma pré-organização racional, permitindo-se a vivência do “momento”.

Segundo Thiers (1994), “na vivência do momento, onde tudo parece estranho, o indivíduo está revivendo suas questões de perdas, elaboradas ou não, que são associadas pela ausência de referências”. A quebra das defesas emocionais permite que os aspectos da cognição possam emergir satisfatoriamente transformando ausências referenciais em efeitos simbólicos.

A Sociopsicomotricidade Ramain-Thiers enquanto processo grupal permite a atualização de registros arcaicos da subjetividade. Muitas vezes, frente a algumas propostas, o medo de errar se manifesta, despertando as ansiedades persecutórias de cada um. A vivência do erro, na Sociopsicomotricidade Ramain-Thiers mobiliza perdas, que fazem emergir defesas, o que pode dificultar o desenvolvimento do processo cognitivo.

A proposta, na dinâmica Ramain-Thiers, é usada de forma pluriexpressiva, como suporte projetivo e facilitador da emergência de reações transferenciais. As propostas enquanto construções simbólicas favorecem o lidar com o erro, minimizando os bloqueios, permitindo a liberdade de criar.

A Sociopsicomotricidade Ramain-Thiers através de sua metodologia, seu material simples e ao mesmo tempo rico e projetivo, favorece o processo regressivo, possibilitando a revivência e elaboração de conteúdos primitivos. Seus desenhos, formas e cores, fazem emergir expressões espontâneas, que ganham contorno e significado, na construção do saber através da criatividade.

 

2.3 - RAMAIN-THIERS E SUBLIMAÇÃ

O termo sublimação deriva de três vertentes: das Belas-Artes, fazendo referência ao sublime, para designar uma elevação do senso estético; da química, onde sublimar refere-se a uma passagem do estado sólido ao gasoso e da psicologia que se refere ao sublimar como um lugar além da consciência. O termo pode significar: exaltar, glorificar ou designar algo suspenso no ar, elevado à maior perfeição. Em todas as acepções nota-se que seu significado remete à ascensão, à verticalidade e à transcendência, o que nos permite pensar em uma mudança de direção ou desvio.

Freud (1905) introduz o termo sublimação para descrever um tipo especial de atividade humana, sem relação aparente com a sexualidade e embora encontre sua propulsão na força da pulsão, visa um alvo não sexual, desde que este seja valorizado socialmente.

A psicanálise propõe a sublimação como um dos caminhos pulsionais que unido ao erotismo, possibilita a criação de novos objetos que possam levar à satisfação. Nesta vertente, aborda a brincadeira infantil e a criação literária, afirmando que a criação floresce tanto no brincar infantil como nas atividades sublimatórias.

Ao equiparar o artista com a criança que brinca, Freud nos diz que o adulto apenas aparentemente renuncia ao prazer contido no brincar. Afirma também que o homem não abdica do prazer desfrutado outrora e em vez de brincar, só abdica dos objetos reais, permitindo-os pela fantasia. A dimensão do criar implica necessariamente na fantasia e podemos dizer que criar é dar uma forma à realidade psíquica. Os estreitos laços da criação à brincadeira infantil nos remetem à latência, tempo considerado como paradigma da sublimação. A latência transforma-se num campo fértil onde floresce o potencial criativo através de inúmeras brincadeiras sempre envolvendo um saber a ser descoberto. A pulsão de saber busca novos espaços que possam atender às demandas sexuais. Na moratória operada pela latência, a pulsão em sua força constante, propõe um desvio para a criação de novos objetos, desvios fundamentais para que a possibilidade de criar perdure.

A sublimação possui uma capacidade de deslocamento na qual, o desvio para novos objetos não implica na restrição da sexualidade, pois a plasticidade sublimatória da pulsão, uma de suas principais características, não extingue sua origem sexual. Porém há um ponto limite para a sublimação. A força pulsional, embora constante, é variável, e desta forma, é a constituição de cada sujeito o que vai decidir o quantum da energia pulsional é passível de sublimação. O caminho da sublimação não é acessível a todos igualmente, em função dos limites simbólicos.

Leonardo da Vinci foi considerado como o maior modelo da pulsão sexual sublimada, onde o movimento pulsional encontra nas pulsões de saber e de ver o seu caminho. O impulso investigador vai caracterizar o “apetite voraz” de Leonardo em relação à criação. Desta forma a perfeição narcísica é então retomada pelos ideais que o sujeito tentará alcançar na cultura, estando a regulação do imaginário dependente de algo situado como transcendente, sendo esta transcendência a ligação simbólica entre os sujeitos, pois é o mundo da linguagem que produzirá a articulação como mundo externo, onde exigências ideais vão reorientar a vida pulsional e suas realizações também se tornam fontes de prazer, promovendo o laço social. A sublimação torna-se então um fator preponderante para o caminhar da civilização.

 A práxis da Sociopsicomotricidade Ramain-Thiers tem como o seu principal pilar o corpo simbólico, lugar de representação. A expressão psicomotora torna-se uma via de elaboração do desejo o que possibilita a aproximação com o objeto perdido. O ato de criar, para Ramain-Thiers, permite a emergência do conflito psíquico em diferentes níveis simbólicos, possibilitando a ressignificação.

As propostas permitem o vivenciar situações cotidianas, onde a criatividade enseja, pelo afastamento da verdade única e cristalizada, um corte com o saber instituído, condição única de simbolizar o inefável do real. Frente ao desamparo estrutural, as propostas Ramain-Thiers produzem, em sua ação, efeitos simbólicos outros que diferem da compulsão à repetição. As diversas possibilidades de construção promovem saúde psíquica, pois, ao permitir uma abertura para o processo da sublimação amenizam a força do recalque, sendo este o caminho pulsional que configura a neurose.

O trabalho clínico com Ramain-Thiers, através dos seus Orientadores Terapêuticos, favorece o inter-relacionamento da ação e emoção, estabelecendo um constante diálogo com a imagem corporal e o mundo simbólico.

Ramain-Thiers ao privilegiar a liberdade de construção e de reparação, estimula o pensar criativo. As condições do setting, suas propostas, seu material multiexpressivo, possibilitam o caminho pulsional da sublimação, operando uma dinâmica de comunicação do inconsciente.

Consideramos a Sociopsicomotricidade Ramain-Thiers uma construção metodológica que permite um olhar e uma escuta multidisciplinar, voltados para as questões que envolvem o sujeito no mundo contemporâneo. Ramain-Thiers trabalha com o reconhecimento de mudanças de padrões sociais na busca de transformações que permitam sair em busca de novas construções, de forma a atender as demandas da contemporaneidade articuladas à saúde psíquica.

Segundo Thiers (1998) a Sociopsicomotricidade “visa à compreensão do sujeito psíquico, que engloba o sujeito social, seu aprendizado de vida em coletividade, o respeito a si próprio, ao outro. Para Ramain-Thiers é impossível conceber o sujeito fora da sociedade” (p.19).

A partir da constatação de que, para a psicomotricidade o corpo é um dos lugares privilegiados onde o sujeito vai resgatar novas formas de inscrição, tomar o corpo como um registro cultural e social é dotá-lo de suportes que possibilitem a emergência da criatividade, da singularidade e da diferença, permitindo o estabelecimento de laços saudáveis com o coletivo.

A metodologia da Sociopsicomotricidade Ramain-Thiers, através da criatividade em suas múltiplas possibilidades, permite à pulsão um desvio que, ao contrário do recalque, transforma tanto o ético como o estético.

Sabemos que o principal desafio da clínica, na atualidade é não só refletir, mas também intervir sobre pontos de transformação que possam produzir outros sentidos diversos dos impasses da repetição, na construção de novos trilhamentos.

Se a ética, para a psicanálise, nos fala da falta é a estética que configura a presença, no sentido de dar à falta um novo destino ético de acesso ao desejo, permitindo um elo de parcial harmonia entre o sujeito e a cultura.

O processo criativo propiciado por Ramain-Thiers permite que, a partir do lugar da submissão e assujeitamento estruturais impostos pelo narcisismo, o sujeito conquiste o espaço da criação com novas significações.
 

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______ A formação social da mente: São Paulo: Casa do Psicólogo: 1991.

WINNICOTT, D. O Brincar e a realidade: Rio de Janeiro: Imago: 1975.

 

COLEÇÃO
RAMAIN-THIERS

Leia o livro digital que você deseja
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Volume I
Ramain-Thiers: a vida, os contornos
A re-significação para o re (nascer)
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Volume II
A potencialidade de cada um:
Do complexo de édipo a terapia de casais
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Volume III
A dimensão afetiva do corpo:
Uma leitura em Ramain-Thiers

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Volume IV
As interfaces de Ramain-Thiers





 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 




 

     
 

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