A Revista da ABRT Associação Brasileira Ramain-Thiers
 
VITRAIS
vol 56 - jun 2007
 

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A RELAÇÃO DO ADOLESCENTE USUÁRIO DE DROGAS COM A FAMÍLIA

Manon Andrade de Melo

         Iniciei os estudos sobre esse tema durante o curso de especialização em Assistência a Usuários de Álcool e Drogas do Programa de Estudos e Assistência ao Uso Indevido de Drogas – PROJAD, do Instituto de Psiquiatria – IPUB, da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ. Durante esse período dediquei-me ao estudo da relação entre a mãe e o filho toxicômano, sendo esse o tema da minha monografia de conclusão do curso. Esse trabalho foi baseado nos estudos desenvolvidos dos autores Winnicott e Elizabeth Palatnik, sendo essa a orientadora da minha monografia. Atualmente estou atuando no Núcleo de Estudos e Pesquisas em Atenção ao Usuário de Drogas – NEPAD/UERJ, atendendo o grupo familiar inclusive o adolescente usuário de droga. Nessa apresentação farei um recorte do adolescente usuário de drogas dentro do seu grupo familiar. 

         Para falar do adolescente é preciso compreender as transformações biopsicossociais pelas quais o jovem passa nesse período. Nessa apresentação, nos deteremos nas transformações psicossociais.  

         Sabemos que de todos os seres vivos, o homem é o que necessita de mais cuidados para sobreviver. O bebê é um ser humano imaturo e extremamente depende em relação ao ambiente físico e emocional, sendo-lhe impossível sobreviver sem os cuidados de alguém. Winnicott explica que ao nascer, o bebê apresenta uma dependência absoluta do outro (mãe ou seu representante). Mesmo nesta dependência, segundo o autor, também é independente, já que nasce com o “potencial herdado”, que consiste na capacidade inata para crescer e se desenvolver.  

         Com o passar do tempo, o estágio da dependência absoluta vai se transformando, possibilitando que o vinculo tenha uma “dependência relativa”, atingindo a interdependência, ou seja, “o individuo normal não se torna isolado, mas se torna relacionado ao ambiente de um modo que se pode dizer serem o individuo e o ambiente interdependente” (Winnicott,1983:80). Esse processo, caso funcione bem em todos os seus estágios, pode ser considerado o maior indicador e a garantia de normalidade e saúde. Esse fato é demonstrado de forma expressiva durante os períodos de rápido e vigoroso desenvolvimento e adaptação, como no caso da infância e da adolescência.

         A adolescência, período que separa a infância da vida adulta, se caracteriza por diversos episódios de desequilíbrio e de ruptura. A crise da adolescência expressa dois movimentos essenciais do sujeito: como metabolizar psiquicamente as mudanças do real do corpo, advindas da eclosão da sexualidade e como responder de outro lugar às exigências sociais, como a escolha profissional e a busca de autonomia. Como busca de autonomia nos reportamos aos jogos identificatórios do sujeito, especialmente em relação ao movimento de submissão ao desejo do outro e de assumir seus próprios desejos. É nessa fase, segundo Freud (1905,p.234), que se efetua o mais importante e doloroso trabalho psíquico, o desligamento da autoridade dos pais. Esse trabalho possibilita fazer o luto pela separação dos pais e perda da infância, essencial à possibilidade de substituição dos objetos originais e a busca de ideais. Lembro da fala de uma adolescente durante a sessão familiar. “Meus pais eram tudo pra mim, meus ídolos, principalmente minha mãe, eu queria ser como ela, mas agora vejo que ela não nada daquilo que pensei, é fraca aceitou meu pai de volta depois de tudo que ele fez.” 

          É importante ressaltar que os pais também devem fazer o mesmo trabalho de luto em relação a seus filhos. O laço que une a relação de dependência se faz presente de ambos os lados. Esse processo é particularmente doloroso e difícil, tanto para os pais como para o filho adolescente, na maioria das vezes o distanciamento é ressentido como abandono.         

         É preciso identificar na aparente rebeldia do adolescente, além de um pedido de autonomia, mas também, um chamado da presença dos objetos importantes (os pais), com os quais poderão estabelecer outras formas de relação. A ruptura não significa necessariamente um pedido de afastamento, mas é preciso romper para estabelecer nova forma de relação com os pais e no ambiente social. 

         Muitos pais, não suportando a desvinculação interna, isto é, não podendo lidar com a perda da função paterna da infância, ou por conflitos de outra natureza, desenvolvem um sistema, por exemplo, de dupla mensagem. Estimulam a emancipação, a autonomia, e ao mesmo tempo mantêm excessivo controle sobre o adolescente, como forma de resolver suas ansiedades, dentre essas, o uso de drogas por parte dos filhos. 

         A crise do adolescente interfere na dinâmica familiar e conjugal. Ela pode contribuir no desencadeamento de conflitos até então latentes na relação entre os pais. Podemos observar, por exemplo, alianças entre pai e filha contra a mãe, como relata uma mãe durante o atendimento de família: “Meu ex-marido apóia minha filha, desqualificando a minha autoridade, como dormir na casa de pessoas que sou totalmente contra porque sei que lá a droga rola a solta.” 

         Durante toda essa crise de identidade, o adolescente pode se deparar com a droga e fazer uso eventual como forma de aliviar as inibições e viver situações novas e desconhecidas. Vejamos o relato de um adolescente durante o atendimento da família: “Quando vou a festa preciso beber cerveja para me soltar e ter coragem de ficar com as meninas.” Outros fatores podem motivar o adolescente ao uso das drogas tais como: por prazer, por curiosidade, por desafia a morte, como mostra a reportagem da revista Cláudia (abril,2006), A Tragédia do Amor Bandido nas Famílias Carioca: o romance entre garotas de classe média e traficante. Vejamos o questionamento de um pai durante o nosso atendimento para a filha adolescente e que vive uma relação tumultuada com o namorado. “Não sei por que você aceita as agressões do seu namorado, você não percebe os riscos que está correndo?” Algumas vezes, o adolescente usa droga para se sentir aceito no grupo e assim se identificar com seus pares. Essa motivação fica clara no dizer de uma adolescente: “Uso maconha quando estou com os meus amigos, ela é o elo social que nos une.” 

         Mas dentre as motivações que levam o adolescente ao uso/abuso das drogas, a transgressão é a que causa mais conflitos na dinâmica familiar. Para Oliveira (1988:30), o uso da droga pode funcionar como forma de transgredir as normas, de desafiar a capacidade dos pais de dizerem e sustentarem o não, de contestar o mundo dos adultos, sendo contra os princípios e valores que fundamentam a vida em sociedade. Por medo de não conseguir entrar na sociedade dos adultos, o adolescente burla a lei social. 

         É necessário diferenciar vários tipos de adolescentes usuários de drogas, que vai da experimentação, geralmente por curiosidade, deixando os pais apreensivos, passando pelo uso recreativo ocasionais, atingindo assim a dependência. Nessa fase, a droga é quase justificativa para viver, comprometendo todo o desenvolvimento normal do adolescente.

         As famílias atendidas por nós relatam as dificuldades de relacionamento com seus filhos surgiram quando esses chegaram à adolescência. O que os pais não percebem é que esses problemas não são do tipo “geração espontânea” (Schenker,2003:209), tendo sido desenvolvido ainda na infância. A mesma autora pontua que o sistema familiar do toxicômano é um sistema juvenil, estacionado na pré-adolescencia ou na adolescência, independente da idade cronológica dos seus membros. Esse sistema familiar tem dificuldade para crescer, de permitir que seus filhos lutem pela sua individuação. O adicto é “o problema da casa ou o sacrificado da família, pela família aquele que não cresce, mantendo assim a família à sua volta” (Schenker, 2003:212). Assim como a autora, nós também percebemos em algumas famílias que o uso de droga por parte do adolescente mantêm os pais unidos, mascarando os conflitos conjugais do casal. 

         O nosso trabalho com as famílias dos adolescentes usuários de drogas consiste em propiciar um espaço de escuta onde o adolescente e seus pais possam falar de suas angustias e temores, abrindo assim a possibilidade de um dialogo genuíno, já que em casa freqüentemente isso é quase impossível devido os conflitos constantes.  

         Sabemos o quanto esse tema é complexo e vasto, sendo impossível responder todas as nossas dúvidas. É importante ressaltar que nem todos os adolescentes buscam a droga como forma de aliviar os conflitos internos. 


BIBLIOGRAFIA 

INEM, C. L. “Adolescência e suas vicissitudes: impasses do desejo”. In: CRUZ M. S. e FERREIRA, S. M. (orgs). Álcool e Drogas: uso, dependências e tratamentos. RJ: Edições IPUB/CUCA, 2001

OLIVEIRA, J. A. “A adolescência e o uso de drogas”. In: BUCHER, R. (orgs), A sociedade, a escola e a família dinate das drogas. SP: EPU, 1988. 

SCHENKER, M. “A família na toxicomania.” In:CRUZ, M. S., BAPTISTA, M., MATIAS, R. e cols.Drogas e Pós-Modernidade: prazer, sofrimento e tabu. RJ: Ed. UERJ, 2003. 

WINNICOTT, D. W. “A Família e o Desenvolvimento e o Individual”. SP: Martins Fontes.

Manon Andrade de Melo
Pedagoga/Psicopedagoga/Socioterapeuta Ramain-Thiers/ Especialista em Saúde Mental-Assistencia a Usuários de Álcool e Drogas IPUB/UFRJ

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