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SOCIOPSICOMOTRICIDADE RAMAIN-THIERS

Criação de SOLANGE THIERS


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CIÊNCIA 9

 

A ESSÊNCIA DO VÍNCULO NA RELAÇÃO GRUPAL
Ana Cristina Lima Espíndola Geraldi

Psicóloga, Sócio – psicoterapeuta Thiers, Supervisora Ramain Thiers, Coordenadora Ramain Thiers Campo Grande , MS

 

          O início do recurso grupoterápico é atribuído a Pratt, um tisiologista americano, que a partir de 1905, com pacientes tuberculosos, criou, intuitivamente o método de “classes coletivas”.  Tal método que mostrou excelentes resultados na aceleração da recuperação física dos doentes está baseada na identificação desses com o médico, compondo uma estrutura familiar – fraternal e exercendo o que hoje chamaríamos de “função continente “do grupo  Tal sistema empírico serviu de referência para outras organizações como o AA, por exemplo.

          Na década de 60, surgiram por parte de psicanalistas da escola francesa os primeiros trabalhos sobre dinâmica dos grupos.

          No Brasil, a psicoterapia de grupo  de inspiração psicanalítica teve começo com  Bahia , cuja técnica consistia em reproduzir o modelo da psicanálise individual, separadamente, para cada um dos componentes do grupo, sendo que, ao final, fazia uma síntese abrangente da totalidade grupal.

          A psicologia grupal  é resultante da confluência das contribuições provindas da teoria psicanalítica e das Ciências Sociais, através dos ramos da Sociologia, Antropologia Social e da Psicologia Social. Dado este que nos remete a construção da metodologia Ramain Thiers. Para THIERS a Antropologia serviu de base à compreensão da evolução do homem e seus movimentos; a Sociologia, à compreensão da organização das sociedades e suas relações que se repetem nos movimentos grupais; a Medicina, como suporte não só da compreensão da organicidade nas manifestações corporais, como também a visão mais abrangente dos distúrbios psicossomáticos. A base, entretanto, da grande mudança , foi oferecida pela psicanálise, que forneceu subsídios para o entendimento dos processos psíquicos e psicopatológicos. A leitura atual foi encontrada recorrendo – se a Freud e também aos seguidores da sua obra, entre eles os teóricos de grupo.

          Desde Freud conhecemos o princípio básico de que o grupo e as individualidades são indissociados e que se encontram em um permanente jogo dialético entre si.

          Segundo Zimerman, “da mesma forma como nas psicoterapias individuais, também as grupoterapias podem funcionar por um período de tempo longo ou curto, podem Ter uma finalidade de  insight  destinado a mudanças caracterológicas, ou podem se limitar a benefícios terapêuticos menos pretenciosos, como a remoção de sintomas; da mesma forma podem objetivar a manutenção de um estado de equilíbrio ou podem limitar – se à busca de uma melhor adaptabilidade nas inter – relações humanas em geral. Tudo isso segue uma variabilidade de enquadres...”(Grupoterapias, p. 61).

          Para Zimerman , os requisitos que caracterizam um grupo são:

          Um grupo se constitui como uma nova entidade, com leis e mecanismos próprios e específicos. Um grupo não é um mero somatório de indivíduos. Todo indivíduo se comporta como um grupo de personagens internos , da mesma forma todo grupo se comporta como se fosse uma individualidade.
          Todos os integrantes devem estar reunidos em torno de um objetivo comum;
          O tamanho do grupo não pode por em risco a comunicação visual, auditiva, verbal e conceitual.

          A instituição de um enquadre e o cumprimento das combinações nele feitas.
          O grupo deve se organizar a serviço de seus membros e deve haver recíproca.


          A identidade de cada membro deve ser preservada.
          É inevitável a formação de um campo grupal dinâmico , em que gravitam fantasias, ansiedades, identificações, papéis, etc. Deve haver interação afetiva.
          A presença de duas forças contraditórias permanentemente em jogo: uma tendente à sua coesão e a outra , à sua desintegração. Sentimentos de “pertinência “ (vestir a camisa) e “pertencência”. (meu grupo).
O campo grupal se processa em dois planos : o da intencionalidade consciente e o outro o da interferência de fatores inconscientes. No campo grupal se processam fenômenos como: resistência, contra – resistência, transferência  e contra – transferência : de actings; de processos identificatórios, etc. O fenômeno da “Ressonância”, que consiste no fato da mensagem de um indivíduo ressoar no inconsciente dos outros e produzir o aporte de associações e manifestações que gravitam em torno de uma ansiedade básica comum. O grupo necessita de uma coordenação para que sua integração seja mantida. Tal coordenação , dependendo do momento do grupo , tende a ser disputada  pelos membros do grupo. “Segundo Pichon pode –se falar em grupo quando um conjunto de pessoas movidas por necessidade semelhantes se reúnem em torno de uma tarefa específica”(FREIRE, p.59).

          “... Cada participante exercita sua fala, opinião, seu silêncio defendendo seus pontos de vista. Portanto,  descobrindo que, mesmo tendo um objetivo mútuo, cada participante é diferente, tem sua identidade. Neste execício de diferenciação – construindo sua identidade – cada indivíduo vai introjetando o outro dentro de si. Isto significa que cada pessoa, quando longe da presença do outro, pode “chamá – lo” em pensamento, a cada um deles e a todos em conjunto, este fato assinala o início da construção do grupo enquanto composição de indivíduos diferenciados. O que Pichon denomina “grupo interno”.  (FREIRE, p. 59).

          O movimento do grupo é em torno da execução de uma tarefa proposta e as intervenções interpretativas cabem em situações que fatores inconscientes inter – relacionais venham ameaçar  a integração , ou a evolução exitosa do grupo.

          Zimermam, menciona a “função do espelho” , onde o campo grupal é resultante de um intenso e recíproco jogo de identificações projetivas e introjetivas. É a função de reconhecimento, que se bem percebida e trabalhada pelo terapeuta, exerce uma decidida ação terapêutica que pode permitir:

          Que cada um re – conheça (volte a conhecer) aquilo que está esquecido ou alguma outra forma de ocultamento em si mesmo;
          Que reconheça ao outro como uma pessoa autônoma e separada dele.
          Ser reconhecido ao outro ( desenvolvimento do sentimento de consideração e de gratidão).
          O indivíduo reconheça que, sob as mais diferentes formas, ele tem uma necessidade vital de vir a ser reconhecido pelos outros.
          A conjugação de todos esses aspectos ajuda a promover a passagem de um estado de narcisismo para o de um social ismo.

         Para Esther Pillar Grossi ,  é preciso compreender o indivíduo na luta do aprendizado em constituir – se em sujeito social. O ser humano não nasce como o animal, com inscrições instintivas que lhe garantam a resolução de problemas que ele enfrenta no dia – a – dia da sua existência desde o momento do nascimento até a morte.

          O ser humano nasce dependente e tem que aprender de maneira exclusiva e original a construir sua história, Ter um nome, seus valores, Ter um jeito próprio de resolver problemas e principalmente se identificar que é fruto do pertencimento grupal, é um ser social.

          Isto se efetiva numa dinâmica triangular  “sui generis”, que é a base de toda a experiência grupal. A tríade pai – mãe – filho.

          Nesta tríade a relação mãe – filho constitui – se numa estrutura sólida e integrada. A função paterna é produzir o corte, a consciência dos limites, desintegração difícil, mas absolutamente necessária à construção da família, passando a existir porque gerou um terceiro componente, distinto e livre dos dois primeiros.

          O primeiro movimento típico da condição humana é o de identificação com as características do grupo onde se é acolhido, do qual resulta a elaboração de uma fantasia de integração pela, simbiótica na forma de uma amalgamação paradisíaca (existe apenas um indivíduo, ainda não subjetivado), que aponta para um ideal que nunca poderá ser alcançado, mas que servirá de imaginário , capaz de sustentar nossa energia vital.

          O outro movimento é o desmascaramento desta fantasia paradisíaca , que, se não for desnudada será mortífera, patológica.

          A aquisição de um lugar no grupo nunca é definitiva, é preciso ser assegurada por uma reconquista continuada.

          Segundo Thiers (1994), a concepção sócio – psicanalítica do RAMAIN-THIERS é que a psicomotricidade vivida no contexto sócio – grupal deve ser compreendida não só pelas intersecções cognitivas, emocionais ou psicomotoras, mas também pela integração destas com o social, para que o sujeito se insira melhor na cultura. Isto se dá porque é possível aprender a necessidade de respeito à Lei.

          A proposta é a Lei em Ramain-Thiers. A formulação da proposta  no setting ( seja de psicomotricidade diferenciada, de trabalho corporal ou verbalização)  é o que permite ao indivíduo viver em sociedade, respeitando a si e ao outro, convivendo com limites externos e internos. A proposta favorece a não transgressão de regras sociais, proporcionando crescimento emocional, deixando posturas egocêntricas.

          Sendo o Ramain-Thiers uma forma de ação terapêutica segura, consciente, com um material rico e projetivo, experimentado e constatado que  vem a favorece individualmente ou em grupo , o reviver de questões parentais, a revivência de situações arcaicas primitivas, a tríade pai – mãe – filho , o conflito edipiano. O setting se instala e a transferência se estabelece a nível central, com o terapeuta e lateral, entre os membros do grupo.  Através da interpretação, clarificação  ou pontuação  das necessidades emocionais verbalizadas é  que haverá a possibilidade de atualização de conteúdos vividos, que vem a favorecer o amadurecimento emocional  do indivíduo, para melhor assumir – se nas questões do fazer , do agir, do trocar , do dar e do receber.

          Segundo Thiers “a compreensão do fenômeno “grupo”, como sustentação da construção do sujeito social, é de extrema importância. O grupo terapêutico reinstala, na sua vivência, sempre o conflito edípico e, pela teoria, experiência e confronto, posso afirmar que as transferências do conflito edípico no grupo terapêutico são comuns, e que em Ramain-Thiers, não fugindo a regra , vêm como um aliado para facilitar a coesão grupal. O grupo reinstala a grande família e vive, nas transferências, as relações parentais necessárias.  Quando um grupo terapêutico é constituído, o grupo organiza, no plano micro, a macro – estrutura , que é uma instituição social. A leitura acontecerá a partir da organização, da pré – determinação, do inconsciente grupal e a própria dinâmica da mentalidade grupal” (1994, p.27)

          Podemos observar vários pontos em comum entre os teóricos de grupo. A questão da preservação da identidade, da não formação de um agrupamento de pessoas, da identificação, das transferências e contra–transferências, da função continente do terapeuta, a reinstalação do grupo familiar e as questões mais arcaicas do desenvolvimento.

          Parece-nos que se alguns pressupostos básicos não forem constituídos, não haverá relação grupal.

          Inicia-se um processo com um agrupamento de pessoas, onde deverá ser organizado um enquadre com combinações de regras e  normas, que embora com alguma flexibilidade deverão ser cumpridas.   A partir daí o setting se instala e as transferências (essenciais no processo terapêutico) acontecem.

          Porém, se não houver firmamento  de vínculos, o setting não se instala e a transferência não acontece.

         O vínculo se funde na reciprocidade “Centrado em si, não se é capaz de ouvir o apelo do outro. O narcisista morre na medida em que torna impossível a ligação fecunda com o outro”.

          Para Pichon Riviere, um vínculo é, então, um tipo particular de relação.

          Para que possamos compreender o que seja um vínculo normal devemos partir da análise de uma das principais características das relações de objeto: o objeto diferenciado e o objeto não – diferenciado. Isto é, das relações de independência e de dependência. Considera- se que um objeto, em uma relação adulta normal, é um objeto diferenciado, ou seja, que tanto o objeto quanto o sujeito tem uma livre eleição de  objeto.

          No entanto, quando falamos de vínculo no processo terapêutico, não estamos falando apenas de vínculo normal mas devemos considerar também o que Pichon chama de vínculo patológico. O vínculo paranóico, que caracteriza–se pela desconfiança, o vínculo depressivo que caracteriza–se por estar permanentemente carregado de culpa e expiação, o vínculo obsessivo que se relaciona com o controle e a ordem, o vínculo hiponcondríaco, onde o indivíduo estabelece com os outros através de seu corpo, da saúde e da queixa. O vínculo histérico, é o vínculo da representação.

          Assim, as transferências, as identificações somente acontecerão depois  de firmado o vínculo, seja ele positivo ou negativo. Segundo Capelato, o vínculo é eterno, é para sempre. O que nos faz pensar na velha frase do pequeno príncipe: “Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas”.

         Segundo Pontalis, “a transferência é uma repetição de protótipos infantis vivida com uma sensação de atualidade acentuada”. ‘’E na transferência que a terapia Ramain-Thiers se faz (quer seja para o material, para o terapeuta ou para os membros do grupo). Todo conflito emocional só pode ser trabalhado através da transferência.

          A transferência pode ser positiva ou negativa. A positiva é a transferência de sentimentos afetuosos para o terapeuta, sentimentos estes que são aceitos pela consciência.

          A transferência negativa é a transferência de sentimentos para  o terapeuta dos sentimentos hostis de sua relação com figuras parentais.

          Cabe, portanto, ao terapeuta, em um primeiro momento, “a quebra das defesa, das resistências”, através de pontuações, clarificações ou interpretações, do estabelecimento do enquadre e de uma postura denominada por Bion de “continente”.

          Segundo Zimermam, o enquadre , estabelecido e mantido, representa a criação de um novo espaço , onde podem ser reexperimentadas tanto as antigas vivências emocionais que foram mal resolvidas como as novas experiências emocionais que o grupo está propiciando.

          A importância do setting consiste no fato de que ele é um valioso  “continente” das necessidades e angústias de todos.

          Bion nos ensinou que em qualquer indivíduo, ou grupo, há um  “conteúdo”, representado pelo seu contingente de necessidades, angústias, emoções, ansiedades , defesas, etc., e, portanto, necessita de um “continente” ( holding , de Winnicott), que possa conter o referido conteúdo. Assim, desde que nasce, o ser humano necessita vitalmente que a mãe exerça adequadamente essa função de acolher , reter durante algum tempo, descodificar e dar um significado , um sentido e um nome às experiências emocionais vividas pela criança.

          Nas grupoterapias, não é somente o terapeuta que executa este papel, porém a própria gestalt grupal como uma abstração funciona com a ação terapêutica de servir de continente para cada um em separado, e para a coesão do todo grupal.

          No entanto, para que o terapeuta  obtenha êxito em seu trabalho, é indispensável que  a sua disponibilidades para com o grupo  seja incondicional. Ele deve  Ter seus conteúdos emocionais bem trabalhados para não se misturar e poder fazer a leitura dos fatos que acontecem dentro do grupo. O sócio–terapeuta deve compreender que é a possibilidade do outro de atualizar, na terapia, o seu processo  de cisão interna. Compreender o que é inerente ao processo e que não é a ele, terapeuta, que a carga de ódio é dirigida. Só assim ele poderá fazer devolutivas integradoras.

          O sócio–terapeuta  é um facilitador  para que a pessoa crie confiança no grupo, para trazer seus sentimentos e conflitos.

          A identidade do Sócio-terapeuta  Thiers pressupõe um profissional que mantém um bom diálogo com o próprio corpo , que desenvolveu muito a sua sensibilidade, na relação com o outro, que possui o domínio do método e que tem seus conteúdos afetivo – emocionais trabalhados, para se colocar em jogo na dinâmica dos grupos Ramain-Thiers , de forma autêntica e espontânea.

Desta forma, o sócio-terapeuta será continente,  demonstrará possuir recursos internos para estabelecer o enquadre, firmar o vínculo, instalar o  setting.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 

          GRUBITS, Sônia – A Contrução da Identidade Infantil . A Sóciopsicomotricidade Ramain-Thiers e a Ampliação do Espaço Terapêutico. São Paulo: Casa do Psicólogo,1996.

          PICHON-RIVIÈRE, Enrique – Teoria do Vínculo. São Paulo: Livraria Martins Fontes Editora,1991.

          THIERS, Solange – Sócio-Psicomotricidade Ramain-Thiers . Uma Leitura emocional, corporal e social. São Paulo : Casa do Psicólogo , 1994.

         ________ - Orientador terapêutico Thiers para crianças “CR”. 2ª ed., Rio de Janeiro: CESIR, 1998.

         VERÃO, Marilene Kovalski – Sóciopsicoterpia Ramain-Thiers, Trabalho com grupos, artigo para II Encontro Regional Ramain-Thiers do MS, 1999.

          ZIMERMAN, David E. – Fundamentos Básicos das Grupoterapias. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1993.

 

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