ABRT - ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA RAMAIN-THIERS

SOCIOPSICOMOTRICIDADE RAMAIN-THIERS

Criação de SOLANGE THIERS


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CIÊNCIA 10

 

FREDERICA: A SOCIOPSICOMOTRICIDADE RAMAIN-THIERS NUM CASO DE ADOÇÃO
Trabalho apresentado no I Congresso Brasileiro Ramain-Thiers e III Encontro Regional Ramain-Thiers - RJ em Outubro de 2000.
Margot Abigail de Souza Duarte Pereira

Psicóloga,  Sociopsicomotricista Ramain-Thiers e Supervisora da Equipe de Recife

 
 

          Cada caso é um caso com grande emoção, desafios e um grande desejo de que vai dar certo, vou compartilhar com vocês um caso de adoção que vou utilizar o nome fictício de “Frederica”.

          Fiquei relembrando dos casos que acompanhei e após 5 anos posso nitidamente lembrar da pré adolescente de 11 anos, adotada por um casal cuja a mãe tinha 3 outros filhos de um primeiro casamento.


Perfil e Sintomas
 

          Frederica foi encaminhada pela escola. Os pais colocaram como  queixa que a filha desde pequena não tinha limites, era muito desorganizada, dispersa, “briguenta”, baixo rendimento escolar, roía as unhas e dificuldade nos seus relacionamentos.

          Frederica era bastante inquieta e possuía em seu corpo uma desarmonia: costas caídas para frente numa postura de fechamento escondendo o corpo de mulher que ali começava a desabrochar,  vestindo freqüentemente 2 blusas.

          Chegou desconfiada, mas sentou bem a minha frente assumindo uma posição de confronto, porém ao mesmo tempo sua postura era da defesa. Vale salientar que tivera uma experiência negativa em outro acompanhamento por volta dos 6 anos de idade. Sua  ex-terapeuta confirmou na escola que em defesa às agressões de Frederica chegou a puxar-lhe os cabelos.

          Nos primeiros contados pude perceber que Frederica possuia um bom potencial intelectual. Era claro a sua carência de afeto primário denotado por sintomas orais e anais. Falava muito em ter coisas e de comer “pão com manteiga”, além de apresentar um tique de “arregalar os olhos” como se engolisse ou penetrasse nas coisas ou pessoas que via.

          Era negra, cabelos crespos. A família que adotou era de pessoas claras a mãe inclusive bem alva e loura.

          A mãe sempre foi muito sensível às causas sociais, fundamentalmente a causa ecológica. Como educadora atuava nesse sentido e na vida, particularmente sempre criou bichos: gatos, cachorros, macaco, jegue, preguiça, jacaré cobra e lagarto. Todos tinham um nome e criados com mimos, como se fossem “gente”.  Frederica tinha ciúmes imenso dos bichos,  principalmente da macaca que tinha muito o colo da mãe.

          O pai por sua vez nunca chegou a morar com a nova família, mantendo um forte vínculo com a figura materna cujo  na casa fixou residência e de quando em quando dorme na casa da mulher e filha e enteados.

          “O que representou essa adoção para o casal”?

         Vamos observar os trabalhos que juntamente aos dados observados e relatos em entrevistas que consolidou uma hipótese diagnóstica.

          O desenho livre foi a 1ª atividade proposta, depois de uma breve apresentação Frederica me colocou que sabia qual era o papel do psicólogo.

          - Estrela -> Ela, cabelos crespos – um objeto fálico.

         - Árvore -> Com 6 frutos (nº de sua família) o fruto oferecido à família sugerindo o incesto. Os falos penetrando também sugerindo relações fálicas (ela não como o ser, mas objeto reparados das faltas do outro)

          Após mais ou menos 20 minutos  disse estar muito cansada e confusa, sem saber o que fez e não conseguiu dizer nada do desenho.

          Pegou a bola e bateu no chão muitas vezes e com força, depois me entregou a bola e disse (cic) “Preciso que jogue a bola para mim” se posicionou como se fosse um goleiro, joguei  algumas vezes a bola para ela, fazia questão de se jogar no chão como se a bola fosse atingí-la violentamente.

          Outro recurso utilizado para avaliar Frederica foi a cópia de um barquinho e fazer uma história, quando fiz a leitura deste material pude  perceber o quanto era forte o sofrimento da pequena Frederica.


Navegador

          Era uma vez um Barquino chamado navegador. Este barquinho era rejeitado por que tinha uma cor bem feia e estava todo enferrujado. Certo dia um velhinho viu aquele barco todo mau tratado e resolveu pinta-lo e desenferruja-lo.  No outro dia o barquinho ficou tão popular que ganhou 4 troféus. 

          barco rejeitado  -> filha adotiva

          cor bem feia -> rejeição pela cor

          todo enferrujado  -> auto estima baixa, nada era bom neste barco.

          um velhinho  -> algo que vai ajudar esse barco ( setting terapeutico)

          maltratado -> sofrido

          ficou popular - > pulsão de vida – ficou popular -  final feliz

          4 troféus - > a sua história com: 2 pais biológicos 2 pais adotivos.

          No desenho da família Frederica projeta seu sofrimento, seus conflitos de forma clara, ela desenhava, escrevia e falava de sua diferenças:

          - Não se filha biológica como os “irmãos diabinhos”

          - Não ter o mesmo pai dos irmãos.

          - Ser negra e não loura como a mãe.

          Desenho de família – Rivalidades fraternas

          - Mãe (com preferência dos filhos homens)

          -  Pai (triângulo com ela e a irmã.)

          - Conflito edipiano


Hipótese diagnóstica

          Não se vê como pessoa – portanto não integrou ainda a sua sensualidade.

          Vivência de rejeição – história não aceitação de si e de sua história.

          Conflito edipiano.

        Após o período de avaliação e devolutiva para a família e também para Frederica comecei o tratamento individual por escolha de Frederica, com duas sessões semanais, iniciando com o orientador terapêutico  para crianças e posteriormente para adolecentes.


Conjuntos utilizados:

          Cópia, Caleidoscópio, Textura, Recorte, Traçado, Transposição.

          Do Orientador terapêutico foi utilizado encaixe para mobilizar questões edipianas.

          Para mim estava claro que toda a sua desarmonia emocional, motor e social, sintoma que emergia talvez pela dificuldade em aceitar a sua história, sua identidade, a dor da separação da primeira mãe, sua rejeição.

          Foi com essa leitura que iniciei  o tratamento .

         No transcorrer  dos atendimentos quando era o conjunto de atividade livre, Frederica utilizava o mesmo jogo da bola, era muito suplicante o seu pedido “Por favor me deixe jogar bola”, só que agora ela trazia um dado novo, conhecia os mais famosos jogadores da Itália, e dizia “Prefiro e adoro o pais da Itália era grande a sua admiração e falava nas cores da bandeira, nos homens belos e nas mulheres elegantes da Itália.

          - Simbolismo outro País – outro pais

          Eu precisava ter uma leitura deste jogo de bola e estar com ela nesse jogo da vida.

          Esse movimento repetindo a síntese do seu movimento no jogo da vida mostrava os dribles diante dos chutes e penaltis que enfrentava. Uma masculinidade defensiva parecia querer ali cristalizar-se.

          O seu tique de abrir exagerado os olhos, ainda persistia.

          A cada sessão era uma nova, Frederica sentia-se diferente e pedindo “socorro”, expressando raiva de tudo e de todos ou chorando e pedindo ajuda, sentido-se desprezada por todos. (o setting terapeutico era muito valorizado por ela).

          Conflito sobre sua origem – Quem sou eu de onde vim

         Identificação com ET (de onde viemos)

        Mais ou menos 7 meses de trabalho Frederica pediu para entrar em grupo: 2 meninos da mesma idade, inclusive um dos meninos era filho adotivo que ela o chamava de o “Super Bonzinho”.

          Frederica entrava em atrito com o grupo sempre que podia em especial o adotivo.

          Numa sessão foi pedido para fazer uma pintura a dedo quando terminou o seu desenho onde representou “um enterro” levantou e tentou agredir o filho adotivo teve uma crise de ira misturado com palavrões e muito choro refleti com ela que aquela “dor e descontrole” talvez fosse porque havia acabado de enterrar algo, ela acalmou-se e pediu para fazer terapia sozinha alegando ser difícil enfrentar pessoas com dificuldades. Cada encontro os conflitos iam se tornando mais claro para mim. e essa percepção facilitava o conduzir do tratamento.

          Ex: Quando não estava bem pedia para desenhar, vivendo intensamente à sua história, a sua dor.

          Na etapa individual conduzi uma progressão que fortalecia o seu ego resgatando desde as relações primárias, perdas até o conflito edipiano, no que diz respeito a identificação com a figura materna enfim a angústia da castração.  Frederica precisava nascer e crescer mulher integrando a sua história..

          Após 1 ano e meio já freqüentava sessões de grupo com um novo grupo pode ter então atualizado talvez,   a perda do primeiro grupo (1ª família) e posteriormente entregando-se no 2º grupo (nova família).

          O seu processo já me dava sinais de mudanças já não pedia para o grupo chutar mas queria chutar e fazer gol e era raro esse jogo, os seus olhos já não precisavam arregalar tanto talvez ela já tinha visto muitas coisas.

          De volta de umas férias voltou muito calma, sua voz tranqüila e seu corpo muito harmônico.

         Parece que ela sentiu que precisava aceitar as coisas boas que tem independente das ruins que todos nós temos.

          Com quase dois anos de trabalho estava numa fase linda, já não queria mais chutar no setting preferia falar dela, começou a usar camisetas, sainhas curtas e apresentava um corpo esguio com uma bela postura de verticalidade, mostrando a todos a sua feminilidade.

          Após mais ou menos dois anos e meio comecei a trabalhar a sua alta,  Frederica já conhecia que tem e ama a sua família do jeito que é, que teve uma mãe que a pôs no mundo e que respeita mesmo sem conhecer.

          A sua relação com a vida e com as pessoas passou a ser muito boa.

        Certa vez disse: “o meu caso era ser filha adotiva e hoje sou filha dessa mãe que me escolheu”. Em 1998 Frederica escreveu uma poesia onde retratava a superação do seu conflito com essa mãe. Em 1999 fui pedir permissão para falar de seu caso clinico, me disse faceiramente “claro, inclusive mostre meu poema que escrevi para minha mãe.

POEMA

MINHA MÃE
 
A minha mãe é diferente,
É a mãe de toda gente,
Mãe de bicho, mãe de homem,
Só não mãe de lobisomem
 
Ela tem nove filhinhos,
Quatro são gente,
Cinco são bichinhos,
Sem contar com a mãe dos outros
Que perderam o seu lugar,
Pois filho de minha mãe
Todo mundo será
 
Mas olhem para mim,
Não quero que seja assim,
Ela é a minha mãe
E ninguém tira de mim!
 
Posso até compartilhar
Por um minuto de adoração
Mas morro de ciúmes,
Agüenta coração!
 
Minha mãe é caverninha,
Ë do mato, é rainha
Como deveria ser
Sou a própria princesinha,
Com todos mimos e dengos
De uma filha de rainha.
 
Quando o mundo está em perigo
Todos gritam um só nome,
O nome de minha mãe
Ana Maria Jones
 

Frederica


BIBLIOGRAFIA:
 

THIERS, S. Orientador terapêutico Thiers para crianças “CR”. 2ª ed., Rio de Janeiro: CESIR, 1998.

_________. Orientador terapêutico Thiers para adolescentes “AD”. 2ª ed., Rio de Janeiro: CESIR, 1997.

 

Veja os artigos científicos anteriores

 

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